Abandono

 

Essa palavra é de conotação triste. Diz o vernáculo que é assim: “estado ou condição do que é ou se encontra abandonado; desleixo, negligência. Ato ou efeito de largar, de sair sem a intenção de voltar; afastamento”.

 

Pois é. ­- Não temos a intenção de esgotar o tema, apenas desabafar algumas inquietações; e realmente, quando a gente se coloca no lugar do outro, podemos ver que não é nada fácil. Pode-se até imaginar, mas dificilmente dá pra sentir a mesma dor e o quanto isso é ruim.

 

Todavia, essa coisa de deixar pra lá, de não mais querer saber, vem de muito longe, lá dos primórdios da civilização.

 

Pois bem. Lá na bíblia tem uma passagem onde conta um pouco da história de “Agar” uma egípcia que era serva de Sarai mulher de Abrão. Sarai ofereceu Agar a Abrão permitindo que ele a possuísse e tivesse com ela o filho que ela não podia lhe dar, pois era estéril. E assim nasceu Ismael o primeiro filho de Abrão. — Até aí, tudo bem, lindo gesto de Sarai para agradar o marido.

 

Ocorre que depois que o menino nasceu, Sarai se sentiu rejeitada, pois todas as atenções de Abrão, eram para a mãe Agar e o Garotinho Ismael. Era Ismaelzinho pra cá ...  Ismaelzinho pra acolá, porque Ismaelzinho é isso e aquilo outro, ele faz isso e aquilo ... nossa! ... e tudo girava em torno deles. Pronto. — Aí eu me pergunto: Teria ocorrido ali o primeiro abandono, a rejeição de Abraão por Sarai?!, eu mesmo respondo: — é possível que sim, basta se colocar no lugar dela, depois de ter tentado fazer algo que imaginava ser bom para o casal, se viu desprezada, com outras pessoas em seu lugar.

 

Bem... eu imagino que você conhece a história­, não?! - Sarai chorou muito, se arrependeu do que fez, se humilhou pra Deus e pediu misericórdia. Deus a ouviu e prometeu-lhe um filho, mesmo sob a descrença de Sarai, pois se achava muito velha para uma gravidez. - Mas Deus é Deus e no dia certo veio o arrebento e Sara, já com novo nome, teve o seu bebê. Foi a chegada de Isac filho de Abraão, também já de nome trocado.

 

Seria maravilhoso se a partir dali todos vivessem em paz, não é mesmo? Ismael se dando com Isac, ... maninho pra cá, pra acolá... Sara com Agar ... etc. e tal ...  e todos na boa. Mas não foi assim. Sara botou a banca dela: - não... não... não... e disse pra Abraão: - manda essa mulher embora com o filho dela, chispa daqui ... eu já te dei o que tu querias -  tua mulher sou eu, e continuou: agora batendo com as pontas dos dedos na mesa: Vamo, vamo, vamo... não quero nem saber, dá teu jeito! - É, ela tava poderosa ... rsrsr... — e eu me pergunto, teria ocorrido ali o primeiro gesto de ingratidão? ...  eu mesmo respondo: — não sei, tá meio complicado, né?! O que você acha leitor?

 

E Abraão mandou embora de casa Agar com o filho dela e dele. Agar, ainda chorou muito, suplicou, mas não houve jeito, teve que ir embora e saiu errante pelo deserto, carregando em seus braços o menorzinho Ismael ... triste ... muito triste. Pior que isso, ela abandonou o filho por medo que os dois morressem no deserto, deixou-o em algum lugar que lhe parecia seguro até que alguém o encontrasse ou não. — O que essa mulher sofreu com aquele abandono, ninguém pode medir. E o menino, o quanto chorou, sozinho abandonado pela própria mãe. Alguém tem ideia do quanto isso é cruel, dói demais, não é mesmo? — Conta a história que Deus ouviu o choro da criança. Um anjo apareceu para Agar e foram resgatar o menino, e dele surgiu uma poderosa nação.

  

— Essa tristeza, me parece que não pertence somente a nós humanos. Existe também no reino animal. Uma cachorrinha que criamos que eu próprio acolhi da rua, toda perecida, também teve seus dias de glória e muita tristeza lá no nosso sítio. Dei a ela o nome de Brigite. Naquele momento só tínhamos um cachorro por nome de Moisés que eu assim o batizei depois de tê-lo trazido dum lugar bem legal, onde me deram pra que eu criasse, ambos estavam com a mesma idade, novinhos e ainda não podiam cruzar.

 

Nesse interim apareceu uma outra cadela, vinda da rua, abandonada por alguém e foi batizada com o nome de Magrela, era um pouco mais velha que a Brigite e logo cruzou com o Moisés e teve 3 três cachorrinhos, um o vizinho me pediu e ficamos com dois, aí já formavam 5 (cinco) cães, depois apareceu outra cadela, também abandonada por alguém que a deixou no portão de nossa casa demos pra ela o nome de Branquela, ela é surda e muda, mas é muita carinhosa e por último chegou a Lorita que também acolhi da rua, então formou um time de 7 (sete) cães.

 

Até aí tudo bem, toda cachorrada vivia alegre e feliz todos muito bem cuidados pelo nosso caseiro que adora animais. — Acontece que a Brigite engravidou do Moisés e teve dois filhotes lindos. Com isso recebeu todo ódio da Magrela, que se achava a grande matriarca e cachorra mor de Moisés. Daí articulou um verdadeiro inferno pra coitadinha da Brigite, surrava ela todos os dias. O caseiro sempre que podia apartava a briga, mas não dava jeito. Com os filhos crescendo, Magrela ganhou novos aliados e tome surra na Brigite. O caseiro me contava o que estava ocorrendo e eu lhe pedi que tomasse uma providência. Mas não deu jeito a Brigite não suportava mais tanta humilhação e saiu de casa.

 

Fui procura-la e a encontrei no sítio de um vizinho que a acolheu, meio constrangido. Quando ela me viu, aproximou-se bem devagarinho e de cabeça baixa. Meu coração ficou partido, tentei abraça-la, mas ela não deixava por muito tempo e eu percebi que ela estava decepcionada comigo. Tentei leva-la de volta, mas ela não quis mais. Eu entendi e falei pro vizinho que mandaríamos a ração dela para que não lhe faltasse alimento. E eu me pergunto que tipo de abandono é esse?! Eu mesmo respondo: - é o descaso, no momento que ela precisava de mim, eu não tive a atitude certa pra tomar, então deu no que deu. Ela está bem, mas em outras mãos.

 

Outro dia, uma pessoa bem-querida minha, foi encontrado num hospital todo machucado, há algum tempo se desencantou da vida e a droga tomou conta dele. Já tínhamos feito tudo que podíamos para ajuda-lo, mas essa foi a escolha dele. Novamente foi internado e está agora sob cuidados d’uma clínica. Estamos orando para que Deus se apiede dele e de toda sua família. E agora eu digo: - esse é o pior tipo de abandono, ou seja, àquele que fazemos contra nós mesmos e nos perdemos num sofrimento que sequer podemos medir, somente os que tem coração sensível e se colocam no lugar do outro podem avaliar essa dor.

 

Vida que segue.

 

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Antônio Souza

(Escritor)

 

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