CARA DE GENTE HONESTA (BVIW)

Dona Zizinha, mãe de uma amiga, se encantou aos 96. Depois do sepultamento, saí andando pensativa pelas ruas. O calor da tarde sufocava. Se eu bebesse, tomaria um bom trago de algo forte e gelado: primeiro para esquecer as dores que a morte nos provoca. Depois, porque urgia mesmo por um refresco.

Na esquina do Itaú, uma sorveteria com ares cor-de-rosa me chamou para entrar. Uma moça bonita, com roupa de oncinha, e um sorriso simpático, foi listando: morango, baunilha, chocolate e... Limão! Sem dúvida, limão! Ela me entregou uma torre cremosa em espiral, numa casquinha crocante. Era hora de pagar. Isso se eu tivesse dinheiro: acabava de descobrir que tinha saído com a bolsa errada. O sorvete se derretendo, expliquei a situação. A moça nem pestanejou. Sacou de um bloquinho e uma caneta e adiantou:

— Sem problema! Eu anoto, cê paga depois. — Como devolver um sorvete à máquina? Sem jeito. Corri pra casa e voltei em dois tempos. A oncinha, ou melhor, a mocinha, me olhou assustada:

— Já? Pra que tanta pressa? — Sim, só pressa! Eu queria era pagar aquele sorvete abençoado. Agradeci a confiança.

— Bobagem! — ela me disse —, cê tem cara de gente honesta...

Lá fui eu novamente pensativa pela rua. Dessa vez, sem saber o que era melhor: se descobrir que nesse mundo ainda há quem confie nas pessoas ou se saber que tenho cara de gente honesta.

Tema da semana (livre) - crônica