POR QUE A IGREJA SE CALOU? (Parte 2)
“Errar não é humano
Depende de quem erra
Esperamos pela vida
Vivendo só de guerra”
(Letra da música “Múmias” – com Biquíni Cavadão e Renato Russo)
Acabara [eu] de sair de uma igreja em Ipanema, mais precisamente a Paróquia da Ressurreição. Um ambiente silencioso e místico, convidativo à oração. Segui à direita em direção à Copacabana, caminhando a passos lentos e pausados pelo calçadão da Avenida Atlântica. Definitivamente não há nada melhor que uma boa caminhada pela manhã, a observar o mar e a inalar a fragrância da maresia.
Um pouco mais adiante, “quebrei” pela direita adentrando-me a duas ruas do bairro, na Barata Ribeiro, seguindo em direção ao Leme. E passando em frente a uma sinagoga – Beth El, próxima do Clube Israelita Brasileiro -, reparava alguns judeus com suas peculiares vestimentas, sendo essas próprias dos ortodoxos, além das “quipás” utilizadas pelos homens, aquelas que lembram um pouco uma touca arredondada, a cobrir suas cabeças.
E enquanto passava não pude deixar de reparar em um de seus membros a me observar. Cumprimentamo-nos de forma educada e segui adiante.
À medida que [eu] prosseguia vieram-me algumas reflexões a respeito da história daquele povo. E, talvez em razão de estar vindo justamente de um ambiente cristão naquela hora, veio-me à memória sobre o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial, onde nela eles foram as maiores vítimas do maior genocídio da História (além de ciganos e outras etnias).
Certamente nenhum judeu perdoa o silêncio da Igreja com relação ao seu povo, que na verdade tratou-se de um “pecado por omissão”. E aí fiquei com aquela pergunta: “Por que a Igreja Católica se calou?”.
Pois bem, há registros de conivência da Igreja com relação ao nazismo “antes” da guerra, no que talvez serviu para justificar o seu silêncio, “durante” a guerra, e não podemos deixar de mencionar uma postura de muitos nomes influentes do Clero “após” a guerra, sobretudo, em função das conhecidas “ratlines” (linhas de rato), que foram os sistemas de fuga aos nazistas favorecidas principalmente pela própria Igreja. Falaremos disto adiante.
Bom, é sabido que o Papa João Paulo II pediu perdão à comunidade israelita numa atitude de “MEA CULPA” com relação a posição da Igreja diante do Holocausto. Um fato ocorrido no ano 2000. E nas palavras do Sumo Pontífice: "Vim a Yad Vashem render homenagem aos milhões de judeus que, privados de tudo e especialmente de sua dignidade humana, foram assassinados durante o Holocausto"... "Asseguro ao povo judeu que a Igreja Católica está profundamente entristecida com o ódio, atos de perseguição e demonstrações de antissemitismo dirigidos contra os judeus por cristãos, em qualquer tempo e em qualquer lugar".
Um acontecimento histórico em que o Papa pediu perdão não somente em função deste fato, como também em outras páginas escuras da Igreja como por exemplo, as Cruzadas e a Inquisição na Idade Média.
E neste pedido de perdão às vítimas do Holocausto o Papa João Paulo II afirmou: "Não há palavras fortes o suficiente para deplorar a terrível tragédia que foi a Shoá". Ao que pode confirmar o reconhecimento de que o Papa na época da II Guerra – Pio XII – foi omisso, ou não fez o suficiente do que deveria (em nome da Igreja). Onde, em outras palavras, o Papa João Paulo II veio pedir perdão pelos erros do Papa Pio XII.
E assim, veio o documento intitulado "Memória e Reconciliação: A Igreja e os Erros do Passado", elaborado por autoridades eclesiásticas, como sendo um pedido de reconciliação. Mas, é como se diz, pode-se esperar determinados erros por parte de certas pessoas, porém é inadmissível quando tais erros veem de “outros” (daqueles que todos esperam o “melhor” e, sobretudo, a justiça que fruto da coragem).
ALGUMAS PERGUNTAS:
* “Antes da Segunda Grande Guerra”, por que a Igreja, de certa, forma, se simpatizou com o nazismo?
* Por que o Papa Pio XII nunca condenou publicamente a perseguição e o extermínio de 6 milhões de judeus? Teria sido por medo? Qual a verdade sobre a sua postura com relação ao nazismo? Teria [ele] cumplicidade com os nazistas? Poderia [ele] ter evitado o Holocausto?
* O seu silêncio e sua omissão “durante a Guerra”, poderia ser caracterizado como “CRIME DE GUERRA”?
* Como estava o Vaticano durante o período da Segunda Guerra? Como estava a “saúde” da Igreja? Haveria uma divisão interna entre os cardeais? Haveria “partidos ou identificações” dentro da Igreja, tendo simpatizantes pelo regime nazista?
* Por que muitos nomes internos do Vaticano favoreceram a fuga de nazistas “após a Guerra”?
* Como era a relação entre o cardeal “Eugênio Pacelli” com o então ditador Benito Mussolini?
* Como era posição entre a Igreja Católica e a Itália? E como era a relação entre Pio XII e Hitler? Teria sido um “peão de Hitler”, como assim afirmou o historiador britânico John Cornwell? Teria sido antissemita? Ou seria uma calúnia deste forma rotulá-lo?
* Você concordaria com o parecer do historiador americano, David Israel Kertzer, que, “como líder moral Pio XII foi um verdadeiro fracasso”?
São perguntas que precisariam de tempo para estudá-las. Bom, tudo bem que não é segredo para ninguém que a Igreja já teve papas cujas condutas passaram bem longe da “santidade”, e aqui eu mencionarei alguns:
* Estêvão VI (896 – 897)
* João XII (955 – 964)
* Bento IX (1032 – 1048)
* Alexandre VI (1492 – 1503)
* Júlio II (1503 – 1513)
* Leão X (1513 – 1531)
* Clemente VII (1523 – 1534)
Fiz questão de anexar estes nomes para que [pesquisando sobre eles] ninguém venha a achar que só porque é papa é então um “santo”. Não é bem assim, não! Sim, pesquisem sobre tais nomes e descobrirão coisas que talvez não imaginavam ver em um papa. Contudo, que ninguém venha achar que eu seja uma espécie de iconoclasta. Não sou, o que eu não gosto é de ser enganado. Como dizia Santo Agostinho: “Conheci muitos com desejo de enganar aos outros, mas não encontrei ninguém que quisesse ser enganado” (de seu livro “Confissões”).
Bem, antes de prosseguirmos eu gostaria que pudessem meditar na frase: “Hitler é um agitador simpático... mas é cedo demais para dizer se é um homem de governo” (Cardeal Eugenio Pacelli). Nota: O Cardeal Eugenio Pacelli mais tarde se tornaria o famoso Papa Pio XII.
Pois bem, com relação à primeira pergunta, talvez a Igreja tenha sido tomada por um sentimento de identificação com a pessoa do Führer Hitler, a se saber que já em seu conhecido livro autobiográfico – Mein Kampif - ele menciona Deus diversas vezes, sendo a palavra “Senhor” 5 vezes e “Deus” 20 vezes. Ou seja, se é algo visto em todos os discursos de ditadores é a frase “Deus está conosco”, no que ganhará, certamente, uma multidão de seguidores, ao que incutirá na mentalidade popular uma “sensação nacionalista”. E fará mais ainda: o povo irá acreditar que os seus adversários e inimigos “não são de Deus”, já que eles não mencionam tanto a palavra “Deus”.
E aqui eu deixo um “aperitivo” do livro do Führer: “Deus onipotente, abençoe as nossas armas, seja justo como sempre foste; ... Senhor, abençoe a nossa luta!”. É isso mesmo: na pescaria de quem deseja ser um ditador, palavras como “Deus”, “Jesus”, “família”, “pátria” são as iscas preferidas deles para apanhar o cardume chamado “povo que não pensa”. Os inteligentes não comem a isca.
E vale a pena saber também que a propaganda “espiritual nazista” estava impressa não somente na mente das pessoas como literalmente em outros lugares, a que se via nos cinturões dos soldados alemães: “Gott mit uns” (Deus está conosco). E sendo que alguns símbolos vigoram até hoje, mesmo sendo intimados por ordem judicial a serem retirados de seus espaços ou objetos, como é o caso de suásticas em alguns sinos de igrejas na Alemanha.
Então, em junho de 2020, após um rigoroso estudo a respeito da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, bispos alemães concluíram de forma unânime que o seu apoio da Igreja Católica foi “vergonhoso”. E, segundo os bispos atuais, todos os que não se opuseram ao regime de Hitler carregam uma grande parte da culpa do que houve na Alemanha. E na Conferência Episcopal Alemã, realizada em abril de 2020, os bispos concluíram: “E dificilmente uma voz se levantava contra os crimes monstruosos cometidos contra os que eram perseguidos por pertencerem a uma ‘raça estrangeira’, especialmente os judeus”. Mas sendo acrescentado: “No entanto, as gerações futuras devem sempre encarar a história a fim de aprender com ela”, no que assim afirmou o presidente dos bispos.
Resumindo:
A referida Conferência, em seu relatório de 23 páginas, afirmou (talvez em tom de confissão “mea culpa”) que a Igreja Católica foi “cumplice”, sim, de crimes nazistas, ao que não se opôs a eles, e inclusive cooperou com o regime de Hitler.
Mas, afinal, por que a Igreja ficou quieta e, portanto, não revidou contra a Alemanha e a Itália? Trata-se de uma pergunta cuja resposta pode ser dada à luz da Psicologia, a partir de fatos históricos conhecidos. O chamado “EFEITO HALO” pode ser a resposta adequada. Ou seja, daquele mecanismo mental inconsciente que em função de uma “única característica” a qual alguém aprovou no outro ele supervaloriza tudo o mais [neste outro].
Serei mais objetivo: É conhecido que o Papa Pio XII tinha aversão ao “comunismo”. E é sabido que o nazismo de Hitler era inimigo do comunismo de Stalin, onde pode ter havido uma simpatia por parte da Igreja à ideologia nazista visto que ambos procuravam combater o comunismo. Contudo, isto é apenas uma hipótese dentre tantas surgidas pelos historiadores. Da verdade que os nazistas podem ter feito o que fizeram, mas como eles odiavam os comunistas obtiveram, então, uma “carta branca” pela Santa Sé, a ponto de, quem sabe, retribuir um favor ajudando os nazistas a fugirem assim que a guerra acabou e que eles foram derrotados, no que será dito a respeito das “ratlines” (linhas de rato).
Muitos que defendem Pio XII em função de seu silêncio usam o argumento de que caso ele batesse de frente com as autoridades nazistas seria algo a que colocaria em perigo a vida de padres e freiras. Oh! Se este é o melhor argumento, decerto que de forma alguma irá satisfazer a comunidade judaica, a que interpretará ter sido a Igreja durante a Guerra uma mãe para os cristãos, mas uma madrasta para o povo judeu.
Bom, com relação à postura de Pio XII muito se tem dito e questionado. No que pesa sobre ele a grave acusação de um silêncio covarde durante a guerra e as atrocidades nazistas com relação aos judeus. Alguns historiadores cogitam até mesmo se o Vaticano recebia ajuda financeira da Itália [de Mussolini] a se lembrar que ele era também italiano. Ou se [ele] achou que a Igreja não deveria intervir em questões seculares (ainda que fosse uma guerra de âmbito mundial). Da verdade que da Igreja se esperaria uma postura que tivesse o selo da “coragem cristã”, e não de uma omissão covarde. Mas, se levarmos em conta que outros papas vieram [depois] à tona para pedir perdão, pode-se confirmar o reconhecimento da culpa daquele outro – Pio XII.
E representantes da própria comunidade israelita mundial tentaram compreender a devida confissão, mas de forma reservada, no que foi a palavra de um após o pronunciamento do Papa João Paulo II na época em que visitou Israel: "É impossível superar todas as dores do passado num só dia” (Ehud Barak, ex-chefe do estado maior do Exército de Israel). Bem, foi sem dúvida – por parte do Papa João Paulo II - uma tentativa para aproximar a Santa Sé com Israel. Este que foi o primeiro Papa ter afirmado ser um pecado contra Deus o antissemitismo e dizer várias vezes ter sido o Holocausto um exemplo do mal.
E QUANTO ÀS “RATLINES” (LINHAS DE RATO)?
Não é novidade hoje dizer que a Igreja facilitou a fuga de vários nazistas criminosos de guerra a partir de um sistema de fuga bem elaborado e arquitetado por nomes influentes do Vaticano, onde muitos fugiram, sobretudo, para a América do Sul, em especial a Argentina, Paraguai, Chile e, inclusive, o Brasil. Sim, vários oficiais tiveram suas entradas facilitadas para a América Latina, logo depois que viram que perderam a Guerra (a queda do Terceiro Reich), já que eles sabiam que seriam executados caso ficassem na Europa.
E assim, nasceram as chamadas “ratlines” (linhas de rato), a partir de rotas clandestinas criadas, mas ao invés de “ratos” eram “navios” (a que realizavam suas rotas de fuga). E lembrando-se que não eram fugas feitas “de qualquer jeito”, à moda dos refugiados desesperados de seus países em guerra. Nada disso, foi feito de maneira ordenada e tendo pessoas poderosas por trás de tudo, onde nada seria bem sucedido se não houvesse ajuda por parte deles.
E foi onde a Igreja “entrou nessa”, sendo que o nome mais conhecido foi o do bispo Alois Hudal, o qual tinha profunda simpatia pelo nazismo e, muito provável, pela pessoa do Führer Hitler. O procedimento do bispo Hudal consistia em certas etapas, sendo primeiro em criar documentos falsos a se fazer como passaportes, de maneira que pudessem ter seus vistos autorizados, e a se saber que nos setores de embarque não havia tanto rigor (comparados com os atuais dias). Isso sem mencionar a questão de subornados envolvidos principalmente membros ligados à Cruz Vermelha. Além de, é claro, ter a facilitação por parte das autoridades latinas. Mas, prefiro não me prolongar quanto a eles.
A questão, para não fugir do foco, foi o fato de que membros influentes da Igreja tiveram parte no pós-guerra se identificando com os vilões da história, que eram os nazistas. E aí vem a pergunta: Como é que pessoas vindo do berço da Igreja poderiam ser coniventes com pessoas impiedosas e réus de culpa (a se saber que eram criminosos de guerra)?
Alguns nazistas favorecidos pelas "linhas de rato":
* Adolf Eichmann
* Josef Mengele
* Walter Rauff
* Franz Stangl
* Josef Schwammberger
* Erich Priebke
* Gerhard Bohne
Agora, ficam as perguntas que não querem calar:
* O Papa Pio XII sabia ou não a respeito das “linhas de rato”? Se sabia, qual foi o motivo para [ele] se manter calado? Estaria em dívida com alguém? Afinal, como afirma o ditado: “quem cala consente”!
* Estaria [ele] sendo manipulado (dentro ou fora do Vaticano)? Se sim, por quem, então? Ou será que ele não sabia realmente de nada?
* E se não tinha nenhuma “culpa” por que outros Papas pediram perdão pelo silêncio do Vaticano durante a Segunda Guerra?
Estimado (a) leitor (a), é como se canta na música: “Errar não é humano, depende de quem erra”. E, no caso da Igreja, o seu silêncio e omissão foram erros imperdoáveis, não há como negar. Afinal, ela própria se intitula como a representante de Cristo no mundo. Entenderam, portanto, a razão de muitos judeus terem antipatia pela Igreja?
E fica também aquela pergunta: Se tivesse sido outro papa, teria havido a mesma conduta de silêncio?
É isso aí. Bom, segundo foi noticiado o Vaticano abriu as portas para alguns historiadores terem acesso a seus arquivos [durante o período da Segunda Guerra]. Quem sabe, pode ser achado algo que venha a tirar as nossas dúvidas.
Algumas pessoas estão dizendo que o Papa Pio XII foi um grande “herói” da Segunda Guerra e que ele até salvou a vida de milhares de judeus (a que seriam executados nos campos de concentração), contudo, até agora não foi encontrado nada que comprovasse sê-lo merecedor deste título. Esperemos para ver!
Houve, sim heróis de verdade (dignos de assim serem chamados, e sendo sempre lembrados pela comunidade judaica), no que colocaram em risco suas próprias vidas para ajudar os judeus, salvando-os inclusive da morte. E aqui podemos citar alguns nomes:
* Oskar Schindler
* Aracy Guimarães Rosa e Luiz Martins
* Nicholas Winston
* Raoul Wallenberg
* Chiune Sugihara
A se lembrar que a História é escrita a partir de registros, fatos, provas, revelações e evidências para que deste modo ninguém venha a acreditar em meras fábulas, lendas ou contos de fadas. A não ser que as pessoas prefiram ser enganadas, que não é o meu caso.
Pois bem, se o Papa Pio XII não compactuou com o nazismo será algo difícil de ser descoberto. Talvez ele estivesse "perdido" no meio de tudo aquilo. Porém, um fato incontestável é que houve participação comprovada de nomes influentes da Santa Sé dando cobertura aos nazistas em função das “linhas de rato”, conforme falamos. E isto foi uma grande mancha nas páginas da História da Igreja.
De qualquer forma, o Papa João Paulo II teve a iniciativa de abrir um caminho para a reconciliação da Igreja com o povo judeu em seu pedido público de perdão pelo silêncio da Igreja durante a Segunda Grande Guerra, o que já foi um grande passo.
11/04/2023
POST SCRIPTUM:
Para o conhecimento de todos sou católico, vivendo a minha identidade religiosa com discernimento e bom senso (sem exagero). Fujo da vaidade de me rotular "cristão", no que penso que os que assim o fazem são os que mais contradizem sua identidade (louvando a Deus com os lábios, mas tendo longe Dele o seu coração... a partir de suas condutas). Não sou de forma alguma fundamentalista, ao que não sou conservador ou dogmático. Não abro mão de minha faculdade de julgamento, ao que eu não sou "advogado de defesa do diabo", nem sou um "severo promotor", buscando sempre ser justo no que digo e escrevo. Quem se porta como um cego apaixonado ou tomado pelo ódio a alguém dificilmente julga corretamente, no que eu evito, portanto, tais extremos. E me apoio sempre em função de fatos, evidências e provas. Em meu entendimento quem errou tem que pagar, não importa quem.
IMAGENS: INTERNET
MÚSICA: “MÚMIAS” – Biquíni Cavadão e Renato Russo
https://www.youtube.com/watch?v=vx0-W4mmpD0
Versão acústica:
https://www.youtube.com/watch?v=XQzdxJRXCS0
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SOMENTE O TEXTO:
POR QUE A IGREJA SE CALOU? (Parte 2)
“Errar não é humano
Depende de quem erra
Esperamos pela vida
Vivendo só de guerra”
(Letra da música “Múmias” – com Biquíni Cavadão e Renato Russo)
Acabara [eu] de sair de uma igreja em Ipanema, mais precisamente a Paróquia da Ressurreição. Um ambiente silencioso e místico, convidativo à oração. Segui à direita em direção à Copacabana, caminhando a passos lentos e pausados pelo calçadão da Avenida Atlântica. Definitivamente não há nada melhor que uma boa caminhada pela manhã, a observar o mar e a inalar a fragrância da maresia.
Um pouco mais adiante, “quebrei” pela direita adentrando-me a duas ruas do bairro, na Barata Ribeiro, seguindo em direção ao Leme. E passando em frente a uma sinagoga – Beth El, próxima do Clube Israelita Brasileiro -, reparava alguns judeus com suas peculiares vestimentas, sendo essas próprias dos ortodoxos, além das “quipás” utilizadas pelos homens, aquelas que lembram um pouco uma touca arredondada, a cobrir suas cabeças.
E enquanto passava não pude deixar de reparar em um de seus membros a me observar. Cumprimentamo-nos de forma educada e segui adiante.
À medida que [eu] prosseguia vieram-me algumas reflexões a respeito da história daquele povo. E, talvez em razão de estar vindo justamente de um ambiente cristão naquela hora, veio-me à memória sobre o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial, onde nela eles foram as maiores vítimas do maior genocídio da História (além de ciganos e outras etnias).
Certamente nenhum judeu perdoa o silêncio da Igreja com relação ao seu povo, que na verdade tratou-se de um “pecado por omissão”. E aí fiquei com aquela pergunta: “Por que a Igreja Católica se calou?”.
Pois bem, há registros de conivência da Igreja com relação ao nazismo “antes” da guerra, no que talvez serviu para justificar o seu silêncio, “durante” a guerra, e não podemos deixar de mencionar uma postura de muitos nomes influentes do Clero “após” a guerra, sobretudo, em função das conhecidas “ratlines” (linhas de rato), que foram os sistemas de fuga aos nazistas favorecidas principalmente pela própria Igreja. Falaremos disto adiante.
Bom, é sabido que o Papa João Paulo II pediu perdão à comunidade israelita numa atitude de “MEA CULPA” com relação a posição da Igreja diante do Holocausto. Um fato ocorrido no ano 2000. E nas palavras do Sumo Pontífice: "Vim a Yad Vashem render homenagem aos milhões de judeus que, privados de tudo e especialmente de sua dignidade humana, foram assassinados durante o Holocausto"... "Asseguro ao povo judeu que a Igreja Católica está profundamente entristecida com o ódio, atos de perseguição e demonstrações de antissemitismo dirigidos contra os judeus por cristãos, em qualquer tempo e em qualquer lugar".
Um acontecimento histórico em que o Papa pediu perdão não somente em função deste fato, como também em outras páginas escuras da Igreja como por exemplo, as Cruzadas e a Inquisição na Idade Média.
E neste pedido de perdão às vítimas do Holocausto o Papa João Paulo II afirmou: "Não há palavras fortes o suficiente para deplorar a terrível tragédia que foi a Shoá". Ao que pode confirmar o reconhecimento de que o Papa na época da II Guerra – Pio XII – foi omisso, ou não fez o suficiente do que deveria (em nome da Igreja). Onde, em outras palavras, o Papa João Paulo II veio pedir perdão pelos erros do Papa Pio XII.
E assim, veio o documento intitulado "Memória e Reconciliação: A Igreja e os Erros do Passado", elaborado por autoridades eclesiásticas, como sendo um pedido de reconciliação. Mas, é como se diz, pode-se esperar determinados erros por parte de certas pessoas, porém é inadmissível quando tais erros veem de “outros” (daqueles que todos esperam o “melhor” e, sobretudo, a justiça que fruto da coragem).
ALGUMAS PERGUNTAS:
* “Antes da Segunda Grande Guerra”, por que a Igreja, de certa, forma, se simpatizou com o nazismo?
* Por que o Papa Pio XII nunca condenou publicamente a perseguição e o extermínio de 6 milhões de judeus? Teria sido por medo? Qual a verdade sobre a sua postura com relação ao nazismo? Teria [ele] cumplicidade com os nazistas? Poderia [ele] ter evitado o Holocausto?
* O seu silêncio e sua omissão “durante a Guerra”, poderia ser caracterizado como “CRIME DE GUERRA”?
* Como estava o Vaticano durante o período da Segunda Guerra? Como estava a “saúde” da Igreja? Haveria uma divisão interna entre os cardeais? Haveria “partidos ou identificações” dentro da Igreja, tendo simpatizantes pelo regime nazista?
* Por que muitos nomes internos do Vaticano favoreceram a fuga de nazistas “após a Guerra”?
* Como era a relação entre o cardeal “Eugênio Pacelli” com o então ditador Benito Mussolini?
* Como era posição entre a Igreja Católica e a Itália? E como era a relação entre Pio XII e Hitler? Teria sido um “peão de Hitler”, como assim afirmou o historiador britânico John Cornwell? Teria sido antissemita? Ou seria uma calúnia deste forma rotulá-lo?
* Você concordaria com o parecer do historiador americano, David Israel Kertzer, que, “como líder moral Pio XII foi um verdadeiro fracasso”?
São perguntas que precisariam de tempo para estudá-las. Bom, tudo bem que não é segredo para ninguém que a Igreja já teve papas cujas condutas passaram bem longe da “santidade”, e aqui eu mencionarei alguns:
* Estêvão VI (896 – 897)
* João XII (955 – 964)
* Bento IX (1032 – 1048)
* Alexandre VI (1492 – 1503)
* Júlio II (1503 – 1513)
* Leão X (1513 – 1531)
* Clemente VII (1523 – 1534)
Fiz questão de anexar estes nomes para que [pesquisando sobre eles] ninguém venha a achar que só porque é papa é então um “santo”. Não é bem assim, não! Sim, pesquisem sobre tais nomes e descobrirão coisas que talvez não imaginavam ver em um papa. Contudo, que ninguém venha achar que eu seja uma espécie de iconoclasta. Não sou, o que eu não gosto é de ser enganado. Como dizia Santo Agostinho: “Conheci muitos com desejo de enganar aos outros, mas não encontrei ninguém que quisesse ser enganado” (de seu livro “Confissões”).
Bem, antes de prosseguirmos eu gostaria que pudessem meditar na frase: “Hitler é um agitador simpático... mas é cedo demais para dizer se é um homem de governo” (Cardeal Eugenio Pacelli). Nota: O Cardeal Eugenio Pacelli mais tarde se tornaria o famoso Papa Pio XII.
Pois bem, com relação à primeira pergunta, talvez a Igreja tenha sido tomada por um sentimento de identificação com a pessoa do Führer Hitler, a se saber que já em seu conhecido livro autobiográfico – Mein Kampif - ele menciona Deus diversas vezes, sendo a palavra “Senhor” 5 vezes e “Deus” 20 vezes. Ou seja, se é algo visto em todos os discursos de ditadores é a frase “Deus está conosco”, no que ganhará, certamente, uma multidão de seguidores, ao que incutirá na mentalidade popular uma “sensação nacionalista”. E fará mais ainda: o povo irá acreditar que os seus adversários e inimigos “não são de Deus”, já que eles não mencionam tanto a palavra “Deus”.
E aqui eu deixo um “aperitivo” do livro do Führer: “Deus onipotente, abençoe as nossas armas, seja justo como sempre foste; ... Senhor, abençoe a nossa luta!”. É isso mesmo: na pescaria de quem deseja ser um ditador, palavras como “Deus”, “Jesus”, “família”, “pátria” são as iscas preferidas deles para apanhar o cardume chamado “povo que não pensa”. Os inteligentes não comem a isca.
E vale a pena saber também que a propaganda “espiritual nazista” estava impressa não somente na mente das pessoas como literalmente em outros lugares, a que se via nos cinturões dos soldados alemães: “Gott mit uns” (Deus está conosco). E sendo que alguns símbolos vigoram até hoje, mesmo sendo intimados por ordem judicial a serem retirados de seus espaços ou objetos, como é o caso de suásticas em alguns sinos de igrejas na Alemanha.
Então, em junho de 2020, após um rigoroso estudo a respeito da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, bispos alemães concluíram de forma unânime que o seu apoio da Igreja Católica foi “vergonhoso”. E, segundo os bispos atuais, todos os que não se opuseram ao regime de Hitler carregam uma grande parte da culpa do que houve na Alemanha. E na Conferência Episcopal Alemã, realizada em abril de 2020, os bispos concluíram: “E dificilmente uma voz se levantava contra os crimes monstruosos cometidos contra os que eram perseguidos por pertencerem a uma ‘raça estrangeira’, especialmente os judeus”. Mas sendo acrescentado: “No entanto, as gerações futuras devem sempre encarar a história a fim de aprender com ela”, no que assim afirmou o presidente dos bispos.
Resumindo:
A referida Conferência, em seu relatório de 23 páginas, afirmou (talvez em tom de confissão “mea culpa”) que a Igreja Católica foi “cumplice”, sim, de crimes nazistas, ao que não se opôs a eles, e inclusive cooperou com o regime de Hitler.
Mas, afinal, por que a Igreja ficou quieta e, portanto, não revidou contra a Alemanha e a Itália? Trata-se de uma pergunta cuja resposta pode ser dada à luz da Psicologia, a partir de fatos históricos conhecidos. O chamado “EFEITO HALO” pode ser a resposta adequada. Ou seja, daquele mecanismo mental inconsciente que em função de uma “única característica” a qual alguém aprovou no outro ele supervaloriza tudo o mais [neste outro].
Serei mais objetivo: É conhecido que o Papa Pio XII tinha aversão ao “comunismo”. E é sabido que o nazismo de Hitler era inimigo do comunismo de Stalin, onde pode ter havido uma simpatia por parte da Igreja à ideologia nazista visto que ambos procuravam combater o comunismo. Contudo, isto é apenas uma hipótese dentre tantas surgidas pelos historiadores. Da verdade que os nazistas podem ter feito o que fizeram, mas como eles odiavam os comunistas obtiveram, então, uma “carta branca” pela Santa Sé, a ponto de, quem sabe, retribuir um favor ajudando os nazistas a fugirem assim que a guerra acabou e que eles foram derrotados, no que será dito a respeito das “ratlines” (linhas de rato).
Muitos que defendem Pio XII em função de seu silêncio usam o argumento de que caso ele batesse de frente com as autoridades nazistas seria algo a que colocaria em perigo a vida de padres e freiras. Oh! Se este é o melhor argumento, decerto que de forma alguma irá satisfazer a comunidade judaica, a que interpretará ter sido a Igreja durante a Guerra uma mãe para os cristãos, mas uma madrasta para o povo judeu.
Bom, com relação à postura de Pio XII muito se tem dito e questionado. No que pesa sobre ele a grave acusação de um silêncio covarde durante a guerra e as atrocidades nazistas com relação aos judeus. Alguns historiadores cogitam até mesmo se o Vaticano recebia ajuda financeira da Itália [de Mussolini] a se lembrar que ele era também italiano. Ou se [ele] achou que a Igreja não deveria intervir em questões seculares (ainda que fosse uma guerra de âmbito mundial). Da verdade que da Igreja se esperaria uma postura que tivesse o selo da “coragem cristã”, e não de uma omissão covarde. Mas, se levarmos em conta que outros papas vieram [depois] à tona para pedir perdão, pode-se confirmar o reconhecimento da culpa daquele outro – Pio XII.
E representantes da própria comunidade israelita mundial tentaram compreender a devida confissão, mas de forma reservada, no que foi a palavra de um após o pronunciamento do Papa João Paulo II na época em que visitou Israel: "É impossível superar todas as dores do passado num só dia” (Ehud Barak, ex-chefe do estado maior do Exército de Israel). Bem, foi sem dúvida – por parte do Papa João Paulo II - uma tentativa para aproximar a Santa Sé com Israel. Este que foi o primeiro Papa ter afirmado ser um pecado contra Deus o antissemitismo e dizer várias vezes ter sido o Holocausto um exemplo do mal.
E QUANTO ÀS “RATLINES” (LINHAS DE RATO)?
Não é novidade hoje dizer que a Igreja facilitou a fuga de vários nazistas criminosos de guerra a partir de um sistema de fuga bem elaborado e arquitetado por nomes influentes do Vaticano, onde muitos fugiram, sobretudo, para a América do Sul, em especial a Argentina, Paraguai, Chile e, inclusive, o Brasil. Sim, vários oficiais tiveram suas entradas facilitadas para a América Latina, logo depois que viram que perderam a Guerra (a queda do Terceiro Reich), já que eles sabiam que seriam executados caso ficassem na Europa.
E assim, nasceram as chamadas “ratlines” (linhas de rato), a partir de rotas clandestinas criadas, mas ao invés de “ratos” eram “navios” (a que realizavam suas rotas de fuga). E lembrando-se que não eram fugas feitas “de qualquer jeito”, à moda dos refugiados desesperados de seus países em guerra. Nada disso, foi feito de maneira ordenada e tendo pessoas poderosas por trás de tudo, onde nada seria bem sucedido se não houvesse ajuda por parte deles.
E foi onde a Igreja “entrou nessa”, sendo que o nome mais conhecido foi o do bispo Alois Hudal, o qual tinha profunda simpatia pelo nazismo e, muito provável, pela pessoa do Führer Hitler. O procedimento do bispo Hudal consistia em certas etapas, sendo primeiro em criar documentos falsos a se fazer como passaportes, de maneira que pudessem ter seus vistos autorizados, e a se saber que nos setores de embarque não havia tanto rigor (comparados com os atuais dias). Isso sem mencionar a questão de subornados envolvidos principalmente membros ligados à Cruz Vermelha. Além de, é claro, ter a facilitação por parte das autoridades latinas. Mas, prefiro não me prolongar quanto a eles.
A questão, para não fugir do foco, foi o fato de que membros influentes da Igreja tiveram parte no pós-guerra se identificando com os vilões da história, que eram os nazistas. E aí vem a pergunta: Como é que pessoas vindo do berço da Igreja poderiam ser coniventes com pessoas impiedosas e réus de culpa (a se saber que eram criminosos de guerra)?
Alguns nazistas favorecidos pelas "linhas de rato":
* Adolf Eichmann
* Josef Mengele
* Walter Rauff
* Franz Stangl
* Josef Schwammberger
* Erich Priebke
* Gerhard Bohne
Agora, ficam as perguntas que não querem calar:
* O Papa Pio XII sabia ou não a respeito das “linhas de rato”? Se sabia, qual foi o motivo para [ele] se manter calado? Estaria em dívida com alguém? Afinal, como afirma o ditado: “quem cala consente”!
* Estaria [ele] sendo manipulado (dentro ou fora do Vaticano)? Se sim, por quem, então? Ou será que ele não sabia realmente de nada?
* E se não tinha nenhuma “culpa” por que outros Papas pediram perdão pelo silêncio do Vaticano durante a Segunda Guerra?
Estimado (a) leitor (a), é como se canta na música: “Errar não é humano, depende de quem erra”. E, no caso da Igreja, o seu silêncio e omissão foram erros imperdoáveis, não há como negar. Afinal, ela própria se intitula como a representante de Cristo no mundo. Entenderam, portanto, a razão de muitos judeus terem antipatia pela Igreja?
E fica também aquela pergunta: Se tivesse sido outro papa, teria havido a mesma conduta de silêncio?
É isso aí. Bom, segundo foi noticiado o Vaticano abriu as portas para alguns historiadores terem acesso a seus arquivos [durante o período da Segunda Guerra]. Quem sabe, pode ser achado algo que venha a tirar as nossas dúvidas.
Algumas pessoas estão dizendo que o Papa Pio XII foi um grande “herói” da Segunda Guerra e que ele até salvou a vida de milhares de judeus (a que seriam executados nos campos de concentração), contudo, até agora não foi encontrado nada que comprovasse sê-lo merecedor deste título. Esperemos para ver!
Houve, sim heróis de verdade (dignos de assim serem chamados, e sendo sempre lembrados pela comunidade judaica), no que colocaram em risco suas próprias vidas para ajudar os judeus, salvando-os inclusive da morte. E aqui podemos citar alguns nomes:
* Oskar Schindler
* Aracy Guimarães Rosa e Luiz Martins
* Nicholas Winston
* Raoul Wallenberg
* Chiune Sugihara
A se lembrar que a História é escrita a partir de registros, fatos, provas, revelações e evidências para que deste modo ninguém venha a acreditar em meras fábulas, lendas ou contos de fadas. A não ser que as pessoas prefiram ser enganadas, que não é o meu caso.
Pois bem, se o Papa Pio XII não compactuou com o nazismo será algo difícil de ser descoberto. Talvez ele estivesse "perdido" no meio de tudo aquilo. Porém, um fato incontestável é que houve participação comprovada de nomes influentes da Santa Sé dando cobertura aos nazistas em função das “linhas de rato”, conforme falamos. E isto foi uma grande mancha nas páginas da História da Igreja.
De qualquer forma, o Papa João Paulo II teve a iniciativa de abrir um caminho para a reconciliação da Igreja com o povo judeu em seu pedido público de perdão pelo silêncio da Igreja durante a Segunda Grande Guerra, o que já foi um grande passo.
11/04/2023
POST SCRIPTUM:
Para o conhecimento de todos sou católico, vivendo a minha identidade religiosa com discernimento e bom senso (sem exagero). Fujo da vaidade de me rotular "cristão", no que penso que os que assim o fazem são os que mais contradizem sua identidade (louvando a Deus com os lábios, mas tendo longe Dele o seu coração... a partir de suas condutas). Não sou de forma alguma fundamentalista, ao que não sou conservador ou dogmático. Não abro mão de minha faculdade de julgamento, ao que eu não sou "advogado de defesa do diabo", nem sou um "severo promotor", buscando sempre ser justo no que digo e escrevo. Quem se porta como um cego apaixonado ou tomado pelo ódio a alguém dificilmente julga corretamente, no que eu evito, portanto, tais extremos. E me apoio sempre em função de fatos, evidências e provas. Em meu entendimento quem errou tem que pagar, não importa quem.