Diário de um chacareiro - parte 2
O chacareiro não deu palpite. Seguiu como veio até ali, quieto, calado, olhando tudo, vendo a vida, que passava em câmara lenta, moldura e paspatur.
Na rotatória, a primeira saída não leva ao Plano Piloto, pega a Estrada Parque Contorno e, com o Itapoã na margem direita, vai na direção da Torre Digital, aquela imensa flor de concreto que se destaca no horizonte do Planalto. Logo termina o Itapoã e vem o eufêmico “Itapoã Park” e, depois, o acesso à Rota do Cavalo, uma série de haras de Manga Larga, Campolina, Quarto de Milha, etc, todos no vale do Ribeirão Sobradinho; seguindo em frente, a Contorno passa pelo Forte Marechal Rondom, o CCOMGEX - Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército, o Santuário da Mãe e Rainha Três Vezes Admirável de Schoenstatt, passa pelo trevo que sai à direita para o Condomínio Império dos Nobres e corta caminho para a BR 020; nesse trevo, seguindo-se em frente, chega-se ao que foi o Balão do Colorado, hoje é um imenso viaduto, exemplo do que vai ser o balão do Itapoã. A DF 001 ou EP Contorno continua, margeia o Lago Oeste e segue 135 km contornando o Plano Piloto, dando a volta completa em todo o quadrilátero do Distrito Federal.
Desse “anel viário” de Brasília partem as rodovias radiais para os quatro cantos do País: a BR 010 vai para a Região Norte, Belém do Pará, a BR 020 vai para o Nordeste, chega em Fortaleza, no Ceará, a BR 030 vai na direção leste até Maraú, na Bahia, a 040 vai para o Sudeste no Rio de Janeiro, a BR 050 sai na direção sul e vai até Santos, no Estado de São Paulo, a BR 060 vai para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, a BR 070 vai no sentido Oeste até Cáceres, no Mato Grosso e a BR 080 vai no sentido Noroeste até Uruaçu, Goiás.
Na rotatória do Itapoã, a Professora escolheu a segunda saída, a que segue em frente ainda com nome federalizado BR 473 — mas o chacareiro sabe que é a Estrada do Tamanduá, que desce reto, tendo à direita o Núcleo Rural Capoeira do Bálsamo e à esquerda um prolongamento da cidade do Paranoá, até uma pequena rotatória que dá acesso a essa extensão do Paranoá, que recebeu, como no Itapoã, o singelo nome de Paranoá Park. Assim que passa essa rotatória, o relevo obrigou os engenheiros a fazerem uma curva para direita para suavizar o forte declive até as “eme ele”, Mansões do Lago, “Cá de cima”, como diria um goiano raiz, avista-se o chapadão onde se ergueram as super quadras da Asa Norte. A vista alcança no alto desse chapadão desde o estádio de futebol Mané Garrincha, toda a Esplanada dos Ministérios, o Congresso Nacional e a vistosa ponte JK.
Embevecido, levado pela companheira, o chacareiro vai vendo passar o córrego Taquari, o quiosque da Galega, na Praia Norte, onde a população do Paranoá vem veranear aos fins de semana, o Núcleo Rural Córrego da Palha, as entradas D, C, B e A do Núcleo Rural Jerivá, o acesso ao Núcleo Rural Córrego do Urubu e o próprio Córrego do Urubu, a poucos metros do quase bairro do Varjão, edificado às margens do Ribeirão Torto — que juntamente ao Bananal no lado Norte, o Gama e o Riacho Fundo no Sul, são os principais cursos d’água que alimentam o Lago Paranoá.
Agora sim, chacareiro e professora passam o Varjão, a ponte sobre o Torto, sobem a ladeira até o Shopping Iguatemi, entram na Estrada Parque Península Norte e estão completamente urbanizados, inseridos no contexto citadino, semáforo, carros buzinando, um querendo passar o outro, chegar primeiro não se sabe onde. Alheio a tais disputas, apenas um suporte emocional para a motorista, ele aguarda com tranquilidade o momento de atravessar a ponte do Bragueto, pegar o Eixão e reconhecer aqueles cega-machados na altura da 214, os muitos ipês amarelos, aquela Sapucaia, primeira árvore daqui pra lá, antes do retorno, na altura da 205. Chegaram na Rodoviária, pegaram o Eixo Monumental e subiram até o Memorial JK. A Assembleia Legislativa fica ali, atravessando o Eixo Monumental, ao lado do Correio Brasiliense.
Depois que deixou sua consorte, ele foi, dessa vez ao volante, direto para a Papelaria ABC, na quadra seguinte do SIG, Setor de Indústrias Gráficas. Falar em papelaria em Brasília é lembrar da ABC! O paraíso para os papelófilos, se é que existe a palavra. Passa a existir. Comprou uma resma de A4 para imprimir o que couber imprimir, viu preço de poltronas para escritório, pesquisou fichários de pasta suspensa, etc, etecetera por extenso, mas principalmente passeou entre as gôndolas e se encantou com os lápis coloridos. Pra poder falar que é de Brasília, tem que conhecer a ABC, que existe desde que o chacareiro era novato na UnB, em fins dos anos 1970. Mas falar assim é querer fazer estilo; a bem da verdade, como lembrou a escritora Nádima Nascimento, existem outras papelarias na cidade tanto quanto ou mais atraentes. A Casa das Artes é exemplo acabado. Na 102 Norte, é o paraíso de quem gosta e tem o dom da pintura.
Da ABC ele tomou a direção da Asa Norte, em busca de uma Farmácia veterinária. Para o leitor de hoje pouco interesse tem os caminhos que se percorre para chegar aos lugares, mas daqui 200, 300 anos, se este texto for lido, certamente vai atrair atenção saber que o chacareiro saiu do SIG, entrou no Eixão Monumental pela Primeira Avenida do Setor Sudoeste, passou pela praça do Buriti e logo em seguida pegou para a N1 no sentido Rodoferroviária; e que se lembrou de apreciar, em frente ao Palácio do Buriti, a estátua de bronze da loba Capitolina amamentando Rômulo e Remo, presente do Governo italiano ao brasileiro na inauguração de Brasília.