UMA TARDE NUM SHOPPING !
Gostaria de dar um conselho a minha meia dúzia de leitores, aos amigos bem como também aos inimigos : quando planejarem se vingar de alguém ou mesmo submeter um pobre mortal a torturas piores que a dos chineses medievais convidem seu chefe, a sogra ou mesmo sua mulher para fazer compras num shopping numa tarde em véspera de Natal.
É algo tão horripilante, tão pavoroso, tão cruel, que a simples leitura de crônica mencionando tais fatos deveria ser proibida a menores de dezoito anos. Tudo aconteceu comigo, fui o principal culpado e a principal vítima ao mesmo tempo.
Era véspera de Natal, lojas lotadas, vitrines enfeitadas, aquele corre-corre característico, pacotes coloridos, um calor infernal e eu, pobre coitado, na fila de entrada do estacionamento. Minha mulher e eu tínhamos que comprar um último presente para uma de nossas netas. Só faltava um e não sabíamos como foi possível esquecer justamente o presente da netinha querida.
Depois de uma verdadeira procissão com direito a uma ou duas “fechadas” consegui a última das vagas, mesmo assim, depois de rodar pelo estacionamento durante uma enormidade de voltas. Dentro do shopping parecia um formigueiro. Impressionante! Será que todos os que estavam ali deixaram para última hora comprar o último dos presentes?
Aparentemente, imaginava eu, não teríamos muitos problemas (quanta inocência)!, pois já tínhamos uma ideia do que compraríamos. Era só ir direto a uma daquelas lojas que vendem brinquedos e pronto, assunto resolvido.
Conseguimos entrar na primeira loja , que estava super-lotada e combinei com minha mulher o seguinte: ela escolheria o presente, pagaria a conta, mandaria embrulhar e me esperaria na porta da loja, pois enquanto isso eu iria ao banheiro. Simples, simples.
Pois bem, fui ao banheiro, demorei um pouco mais de propósito e fui para a porta da loja, conforme combinado. Minha mulher não estava e o jeito foi esperar. Só que, depois de algum tempo (algum não, muito tempo!) comecei a ficar preocupado. Onde minha mulher tinha se enfiado ? E se eu entrasse, será que poderia haver um desencontro ? Creio que não, pois tínhamos combinado que quem chegasse primeiro só teria que esperar pelo outro.
Entrei novamente na loja . Empurra daqui, empurra dali, pacotes que derrubei ao passar e nada, ela não estava dentro da loja. Voltei novamente para a porta , esperei por mais ou menos meia hora e nem sombra dela. O que teria acontecido ? Já estava preocupado. E se tivesse acontecido um sequestro ?
Tinha esquecido meu celular no carro e se eu fosse buscar e ela aparecesse ? Preferi correr o risco. Corri para o carro, peguei o celular e liguei para ela. Ela atendeu e me tranquilizou, explicando que, como eu estava demorando a voltar do banheiro ela aproveitou para ver um par de sapatos na sapataria em frente e que deveríamos nos encontrar lá.
Aliviado, entrei novamente no shopping e fui para a tal sapataria. Mas qual delas ? Em frente a loja de brinquedos tinham três sapatarias, uma ao lado da outra e todas super-lotadas. Na pressa de voltar logo para casa não perguntei em qual das três ela estaria. Entrei nas três e novamente passei pelo corredor polonês de bolsadas, cotoveladas e algumas caixas que derrubei, de passagem. Nada, novo desencontro.
Bom, pensei, vou novamente ligar para ela. Deixei o telefone tocar inúmeras vezes e nada , ela não pôde ou não quis atender. Até então, eu tinha estado preocupado e a partir daquele momento comecei a ficar com raiva. Porque não fiquei em casa curtindo meu vinho ?
Mas eu tinha que fazer alguma coisa. Já pensou o que me aconteceria se chegasse em casa sozinho ? Alguém acreditaria que tinha esquecido a mulher no shopping ? Então tive a brilhante idéia de esperá-la no carro. Deduzi que ela se lembraria que certa vez assistimos um filme em que houve um desencontro semelhante e o casal acabou se encontrando no estacionamento .
No carro relaxei, liguei o radio, escutei umas musiquinhas do tipo que dão sono e nada da mulher aparecer. Não tive mais sossego. Desliguei o radio, saí do carro e voltei ao shopping. Ficaria na porta da loja de brinquedos até a hora que fechasse, se fosse necessário.
Não foi preciso esperar tanto assim, só um pouco mais de uma hora. Já bastante preocupado decidi voltar para o carro e qual não foi surpresa ao ver de longe que minha mulher estava sentada na capô e com cara de poucos amigos me recebeu perguntando entre dentes : “Onde você estava ? Porque demorou tanto ? “
Ainda no carro, já próximo de casa, rompendo um silêncio perturbador, cometi a tolice de perguntar: “Conseguiu comprar alguma coisa ?”
Tem certas horas que é muito melhor ficar calado e fingir de morto. A resposta dela foi curta e grossa : “Não, não deu tempo”.
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COMO OS FATOS ACONTECERAM (segundo a versão da minha mulher):
1 – na loja de brinquedos, não tinha nada que agradasse e que valesse à pena dar de presente a nossa neta;
2 - como eu estava demorando no banheiro (segundo ela mais de uma hora e pelo meu relógio só vinte minutos) ela resolveu escolher um par de sapatos , até que nos encontrássemos. Por curiosidade, força do hábito ou simplesmente por ter se esquecido de mim, entrou nas três lojas;
3 - nas três lojas, não gostou de nenhuma novidade;
4 - resolveu procurar outra loja, achando que eu deveria deduzir que isso aconteceria (afinal de contas estamos casados há muitos anos);
5 - depois de muito andar (e não comprar nada) lembrou-se de que eu poderia estar esperando e voltou a loja de brinquedos. Eu não estava esperando na porta, claro, mas ela viu na vitrine a boneca que gostaria de dar de presente. Entrou novamente na loja, comprou a boneca, enfrentou fila para fazer uma embalagem para presente e só aí se lembrou de que eu poderia estar esperando no carro.
6 - o resto, todos já sabem. Fui considerado culpado, primeiro por não ter esperado na porta da loja dos brinquedos e segundo porque, mesmo depois de tanto tempo de casados eu ainda não tinha aprendido que ela detestava ser pressionada a fazer compras apressadamente.
(.....imagem google.....)