SER MARINHEIRO
Na sua cabeça só havia um pensamento: ser marinheiro, viajar, conhecer o mundo, conhecer pessoas e culturas diferentes. Assim passava o tempo aguardando com ansiedade o dia das provas do concurso para o curso de aprendiz-marinheiro. Havia se inscrito para o concurso atendendo aos anseios de infância de ser da Marinha. Cresceu menino de praia e sempre atento às lides do mar e admirando-se do vai e vem dos barcos de pesca e dos pescadores. Sentia vontade de dirigir-se a eles e dizer-lhes que ia fazer provas para o curso de marinheiros e que breve seria do mar como eles.
Chegou o dia. Após a noite mal dormida por causa da expectativa mal clareou e levantou-se, fez uma refeição frugal, despediu-se dos familiares e dirigiu-se ao local onde se realizariam as provas. Lá chegando juntou-se aos outros candidatos e ficou extasiado com as instalações e o ambiente militar. Apresentou-se ao sargento responsável pela verificação da ficha de inscrição visivelmente emocionado e em posição de sentido como se já fosse um subalterno e lhe disse: “sargento, um dia serei como o sr”. A aprovação foi conseqüência de todo o esforço e tanta preparação. Classificou-se para o curso que iria mudar a sua vida.
No dia de partir da sua cidade para compor a turma do curso despediu-se dos familiares e falou para a sua querida mãe: “vou começar a realizar o meu sonho”. Deu-lhe um beijo e saiu. Foi até o cais, parou olhou o horizonte, o mar, os pescadores e, mentalmente, dirigiu-lhes uma breve despedida: “até logo companheiros”. Virou-se para a paisagem da cidade encravada entre o céu e o mar e pensou: “vou mas não a esquecerei. E quando volta, você parecerá tão pequena, pois sei que os lugares que conhecerei são muito maiores que você”.
Passaram-se os meses e o Ary Parreiras atracado ao cais de Fortaleza esperava os recém-formados marinheiros para transportá-los na viagem ao Rio de Janeiro. No cais a despedida derradeira, o embarque, o aceno aos amigos na popa do navio e o despertar no mar. Ao entardecer do quinto dia o Cristo com os braços abertos saudava a chegada do navio na Baía da Guanabara. Diante da visão daquela cidade fantástica a saudade repentina da sua cidade agora tão distante.
Passados os anos o velho marinheiro já tendo realizado a sua longa viagem, conhecido lugares, culturas e gente diferentes, galgado com êxito as posições de hierarquia que lhe se dispunham, finalmente chegava ao porto para a derradeira atracação. Praterno às costas, um adeus aos amigos, uma última olhada para a velha embarcação. As atitudes, a disciplina, a vibração, o entusiasmo e o espírito de companheirismo permanecem como no início, só que agora temperado pela experiência. No entanto, há que se dar espaço para os mais jovens. Seu amor pela Marinha seria continuado. No convés seus filhos pagavam a derradeira continência ao velho marinheiro que os deixara em seu lugar.
Cumprindo a promessa inicial quando da partida para a sua grande viagem retornou à sua terra. O cais era o mesmo. Os barcos, os pescadores antigos, outros novos, e a sua amada cidade que apesar do desenvolvimento evidenciava que realmente era pequena em relação aos lugares que conheceu e que será o refúgio dos seus últimos dias, o local do merecido descanso do velho marinheiro.