SENTADO A BEIRA DO CAMINHO

Eu não posso mais ficar aqui a esperar

Que um dia de repente você volte para mim

Vejo caminhões e carros apressados a passar por mim

Tô sentado à beira de um caminho que não tem mais fim

Meu olhar se perde na poeira desta estrada triste

Onde a tristeza e a saudade de você ainda existe

Esse sol que queima no meu rosto um resto de esperança

De ao menos ver de perto seu olhar que eu trago na lembrança

Preciso acabar logo com isso

Preciso lembrar que eu existo, que eu existo, que eu existo

Erasmo Carlos era um excelente poeta. Deixou-nos belíssimas composições, onde falava, principalmente, do amor. Tanto aquele que nos acalantava, o amor correspondido, quanto aquele que dilacerava nosso ser, o fim de uma relação. Sentado a Beira do caminho pertence a esse segundo grupo, é obvio... mas ele fala mais do que sobre o fim de uma relação amorosa. Ele fala da desesperança que se instala em nosso ser quando sentimos nosso mundo ruir. Ele fala da tristeza que toma contas de nossa alma, nos tornando incapazes, ao menos por algum tempo, de reagir contra as adversidades da vida. E elas são muitas...

Se formos pensar bem sobre a vida, vamos descobrir que estamos a mais tempo que o desejável sentados à beira do caminho, observando o fluxo da vida que passa por nós. Estamos despertos, mas estáticos, vendo a vida fluir minuto a minuto a nossa volta e sem saber exatamente como devemos reagir... pois a vida é dinâmica e não tem tempo para esperar que decidamos o que fazer frente as situações pelas quais passamos... é claro que se o momento pelo qual passamos é favorável para nós é muito mais fácil termos uma reação e seguirmos em frente. Ainda assim, se analisarmos friamente, vamos descobrir que no jogo da vida, mesmo tendo as melhores cartas em nossas mãos, muitas vezes acabamos perdendo a partida por medo de arriscar... sim, ter um bom jogo nas mãos não é garantia de sucesso em nossa empreitada, pois temos muitas variantes na mesa do jogo, e a maioria delas não depende de nossa vontade para resolver. Veja bem, estou falando da vida como um todo. Família, amigos, carreira profissional, vida social... nesse momento, estou englobando tudo aquilo que faz parte de nosso destino. E é aí que constatamos o primeiro percalço da vida... a nossa primeira descoberta é que, além de não existir livre arbítrio - nós não somos senhores de nosso destino coisa nenhuma - ainda por cima não nos pertencemos... tudo o que fazemos ou deixamos de fazer depende da chancela da comunidade que vive a nossa volta. O grupo ao qual estamos inseridos desenhou aquilo que acha que deve ser a forma como devemos viver a cada minuto... como devemos nos vestir, nos portar... e se por acaso não correspondermos a imagem feita pelo grupo, devemos estar preparados para pagar o preço por nossa rebeldia... é claro que para alguns elementos a vida se torna mais fácil do que para outros, o que torna a ilusão do livre arbítrio mais forte. Mas esses que conseguem realizar alguns de seus desejos - aqueles que fogem dos cânones do grupo - o conseguem geralmente dando dois passos para a frente e um para trás... ou seja, se não tiverem a sabedoria de recuar no momento certo, para preservar o pequeno avanço que tiveram, com certeza acabarão perdendo todo o seu progresso... e então voltarão para a estaca zero e deverão reiniciar toda a jornada, repetindo passos já dados anteriormente, tal e qual Sísifo com a sua pedra na montanha...

Talvez seja esse o motivo de preferirmos ficar a beira da estrada, na esperança de que um milagre aconteça e de repente todos os nossos problemas simplesmente desapareçam. Mas é claro que isso jamais irá acontecer, pois como eu disse, a sociedade espera que cumpramos nosso papel... e devemos seguir religiosamente o roteiro a nós entregue, pois estão nos controlando da coxia, prontos para apontar os erros de nossas ações no palco da vida. E o espetáculo não pode parar... afinal, existem outros atores contracenando conosco, e o sucesso de sua apresentação depende, e muito, de nossa performance... ou seja, não somos responsáveis apenas por nossas ações, somos responsáveis também pelo sucesso ou fracasso dos atores que estão atuando ao nosso lado. É claro que a maior responsabilidade é deles, mas se tivermos uma atuação pífia em determinada cena, comprometemos também a performance de outrem... e isso é inadmissível, sob todos os pontos de vista possíveis.

Resumindo... não somos donos de nosso destino. Fazemos aquilo que temos que fazer, aquilo que o grupo determinou que seria nosso papel. Temos a ilusão de estarmos no controle de nossas vidas, mas quando nos sentamos à beira do palco e passamos a analisar nossas ações, descobrimos que não passamos de marionetes controladas pela sociedade, a fazer aquilo que nos foi determinado... mesmo quando pensamos estar seguindo nossas próprias convicções... tal e qual um rato de laboratório, cruzando os caminhos do labirinto montado pelos cientistas, para conferir as reações do bichinho em cada obstáculo posto em seu caminho...

(27 de Janeiro de 2023)

Tania Miranda
Enviado por Tania Miranda em 05/04/2023
Código do texto: T7756633
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