RECORDANDO O PASSADO

Nestes versos tão singelos

Minha bela, meu amor

Prá você quero contar

O meu sofrer e a minha dor

Eu sou como um sabiá

Que quando canta é só tristeza

Desde o galho onde ele está

Nesta viola canto e gemo de verdade

Cada toada representa uma saudade

(Angelino de Oliveira)

Hoje é sábado, dia de recordar o passado. Quem que disse isso? Não sei... estou dizendo agora, mas tenho certeza de que alguém, em algum momento, falou essa frase. E é por isso que resolvi recordar meu tempo de infância. Sim, sou do tempo em que a gente acordava com o som da viola nas estações de rádio. De madrugadinha, o único estilo musical que se ouvia nas principais estações da época... Rádio Piratininga, Rádio Nacional de São Paulo (que mais tarde se tornaria a Rádio Globo), Rádio São Paulo, Radio Bandeirantes... todas elas, das quatro até as seis da manhã tinham a música caipira do sudeste em sua programação. Deixo evidente o termo "sudeste" em todas as minhas crônicas por um motivo... quando se fala em musica sertaneja nos dias de hoje, nem de longe se imagina o Estado de São Paulo como núcleo de produção desse tipo de arte... logo se associa ao Nordeste e Centro Oeste do país. Mas houve uma época em que São Paulo era a Meca dos artistas caipiras, que vinham de todas as partes do Estado... e do país... para tentar a sorte no mundo artístico. E vários eram os nomes que se tornaram grandes, devido ao seu talento e arte. Dentre eles, sem dúvida os maiores eram Tonico e Tinoco, os irmãos Perez... mas haviam vários outros... Liu e Léu, Sulino e Marroeiro, Zé Fortuna e Pitangueira, sendo que Zé Fortuna foi um dos nossos grandes poetas do sertão, Cascatinha e Inhana, as irmãs Galvão e muitos outros... se eu fosse citar todos esses artistas que fizeram parte de minha infância, encheria ao menos umas cem páginas e ainda ficaria faltando nomes na relação. Não posso esquecer de mencionar o Juvêncio, interpretado por Vicente Lia. Esse ultimo não era cantor, era um herói do gênero western que tinha suas aventuras narradas todos os dias, de segunda a sexta feira pela rádio Piratininga antes da Voz do Brasil... aliás, até a Voz do Brasil merece ser mencionada em minhas recordações. Quando os acordes de "O Guarani" começavam a soar no rádio, eu simplesmente viajava em suas notas. Fadas, princesas e príncipes, duendes e dragões, todos esses seres surgiam espontaneamente em minha mente, e eu simplesmente viajava com o ballet destes em minha imaginação. Detalhe... eu nem sabia o que era ballet...

Tristeza do Jeca, cuja estrofe inicial abre essa crônica, era tema de um programa sertanejo, da rádio Nacional, se não me engano. Claro que os artistas desse programa eram Tonico e Tinoco. E por meia hora ouvíamos a dupla desfilar suas canções. Era simplesmente sensacional. Quase tão bom quanto vê-los em carne e osso. E eu, com a minha família, apreciei vários shows da dupla ao vivo. Era uma época mais simples, quando tudo o que o artista precisava para fazer um show era seu instrumento e sua voz. Se tivesse uma troupe para encenar uma peça antes de soltar a voz, melhor ainda. E Tonico e Tinoco, além de excelentes cantores também eram atores dos melhores. E seu grupo era muito bom. Assisti várias peças do repertório da dupla, sempre usando suas canções como tema central do enredo. Era muito lindo.

Creio ser importante esclarecer que nessa época os artistas vinham até seus fãs, apresentando-se em circos que eram montados nas periferias da cidade. Os ingressos cabiam no bolso das pessoas, diferentemente dos dias de hoje quando um artista cobra um absurdo pela sua apresentação, e nem sempre vale a pena... mas isso não vem ao caso, cada um cobra o que acha que vale, e paga quem quer...

Sim, eram outros tempos... não vou dizer que eram melhores que os dias de hoje, pois as pessoas mais velhas de minha época diziam a mesma coisa sobre o tempo em que eram jovens e tenho certeza de que os jovens de hoje dirão a mesma coisa para seus descendentes daqui a algum tempo... o que acontece é que nos lembramos do passado com os olhos da saudade e tudo o que passou nos parece melhor hoje, mesmo que não tenha sido assim. Isso é normal. É a nossa memória afetiva entrando em ação. Mas, ainda assim...

O que eu achava gostoso na época era o passeio em si, mesmo que a gente não saísse do bairro. Quando sabíamos que um circo ia ser montado nas proximidades, ficávamos ansiosos para saber se nosso artista predileto viria dar o ar de sua graça para nós... e muitos artistas construíram sua carreira se apresentando nesses locais. Para se ter uma ideia do quanto isso era a realidade também para eles, quando Tonico e Tinoco se apresentaram no Teatro Municipal de São Paulo, foi um acontecimento sem precedentes...

É por essa e por outras que, quando ouço "mágoas de boiadeiro" ou outra canção qualquer de minha infância, me ponho a viajar mentalmente pelas verdes campinas de meu sertão... que era aqui mesmo, no bairro onde moro até hoje...

(4 de fevereiro de 2023)

Tania Miranda
Enviado por Tania Miranda em 04/04/2023
Código do texto: T7756227
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