DE BORBOLETAS E MARIPOSAS
DE BORBOLETAS E MARIPOSAS
Nelson Marzullo Tangerini
Um dia desses, no quintal de minha casa, fui surpreendido pelo voo, um bailado, digamos, da borboleta Papilio thoas brasiliensis.
Imediatamente, me veio à mente uma crônica de Machado de Assis, publicada na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em 19 de fevereiro de 1893:
“Tenho particular amor às borboletas. Acho nelas algo das minhas ideias, que vão com igual presteza, senão com a mesma graça”.
A borboleta Papilio thoas brasiliensis é grande, elegante, preta e amarela, com duas caudas. Costuma bailar sobre as flores sem tempo para pousar nelas. Seu bailado, sem igual, parece acompanhar uma sinfonia que só ela ouve. Além do mais, é uma das mais belas borboletas da fauna brasileira, vítima de desmatamentos insanos.
A partir de um velho conto chinês, Raul Seixas escreveu uma canção sobre essa magia que as borboletas exercem sobre aqueles que lhes dão mais atenção, como é o caso de meu irmão mais velho, Nirton Tangerini, biólogo, especialista em lepidópteras, ou seja, borboletas:
,
“Era uma vez
Um sábio chinês
Que um dia sonhou
Que era uma borboleta,
Voando nos campos,
Pousando nas flores,
Vivendo assim
Um lindo sonho...
Até que um dia acordou
E pro resto da vida
Uma dúvida
Lhe acompanhou...
Se ele era
Um sábio chinês
Que sonhou
Que era uma borboleta,
Ou se era uma borboleta
Sonhando que era
Um sábio chinês...”
Alberto Caeiro, um dos “heterónimos” do poeta português Fernando Pessoa, também encantou-se por uma borboleta - azul:
“XL
Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move.
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor”.
Infelizmente, a borboleta preta de Memórias póstumas de Brás Cubas, romance de Machado, provavelmente uma mariposa, não teve a mesma sorte. Afeita a voos noturnos, como os poetas românticos, ela procura um recanto seguro onde possa repousar da longa peregrinação pela cidade.
Depois de pousar na testa de Braz, vai pousar num porta retrato, e, por fim, será abatida pela personagem, que, com uma toalha, abate o peregrino inseto. Braz tenta reavivá-la. Em vão. O escritor defunto, resolve, então, atirá-la ao jardim, onde, certamente, será devorada pelas formigas.
Atraídas pela luz , as mariposas, noturnas, são entram nas casas sem pedir licença. Durante o dia, costumamos vê-las pousadas numa parede, para ali repousarem da noitada. Adoniran Barbosa, ciente disto, dedicou um samba genial a essas criaturas da noite, que, muitas vezes, causam terror aos supersticiosos.
Pensando nisto, Nelson Maia Schocair e eu escrevemos uma canção para a mariposa Copaxa, que inspirou muitas lendas em Espanha:
“Voa, voa,
Mariposa nesta noite.
Negra noite,
Triste noite.
A dor é um açoite.
Voa, deste lugar,
Tentando desfazer o mistério
Da sina sinal
Maldição ancestral...
Lá lá lá lá...”
Nossa canção, em ritmo espanhol, diz que não devemos matar as mariposas. Nem as borboletas. Elas querem viver, voar como as ideias de Machado de Assis, o Bruxo do Cosme Velho, que ainda voam e colorem nossas vidas.