ORLANDO FURIOSO

 

            Em minhas mãos o livro “Orlando Furioso ou O Carro que Carregou Adão”, da autoria do confrade e amigo Josemir Camilo, que me presenteou no dia da posse de nossa confreira Ieda Lima na Cadeira n° 34 de nossa Academia de Letras, sucedendo a professora Josefa Dorziat. Diria mais a rigor um opúsculo, por ser um pequeno livro de poucas páginas que o devorei num abrir e fechar de olhos. Li-o, porém, com grande satisfação, pois me apeteceu desde as primeiras linhas, pela versatilidade de sua apresentação, revirando o baú da memória.

            Há um personagem principal e um coadjuvante em toda a história. O principal personagem é Orlando, o industrial da morte, pois que dono de uma funerária, adorava música clássica e cedia por empréstimo os seus discos a amplificadora local para tocar. Orlando era nas Laranjeiras, em Goiana, Pernambuco, aquela figura que se orgulhava de dar conforto aos mortos fabricando os envelopes para os defuntos e que gostava de passear no seu Ford de bigode, preto, que o povo chamava de carro que carregou Adão, apelido que o deixava Furioso.

            O coadjuvante é Josa, aquele menino de dez anos que trabalhando com seu Orlando e ajudando ao seu pai que era sapateiro, aprendia a arte de cada ofício e a usar as ferramentas apropriadas a cada uma delas. Gostava muito de andar no carro de Seu Orlando, indo com ele fazer as cobranças das vendas dos caixões, comprar material em Recife para fabricá-los e tudo o mais que lhe desse oportunidade de nele estar.

               Josa aprendeu muitas coisas, trocando experiências entre a banca de sapateiro do pai e a funerária de Seu Orlando. Só não tinha sorte de fazer brinquedo e até um carrinho de madeira que improvisara terminou por destruí-lo, porque só fazia seus colegas rirem de tão desajeitado que era. Isto me fez lembrar dos meus irmãos que, jeitosos em fazer trabalhos manuais, ficaram mangando de mim quando resolvi fazer um carrinho e o pobrezinho andava troncho, parecido com um caminhão quando fica desalinhado em razão do seu eixo central estar empenado.

            A Funerária Vai com Deus, de Seu Orlando era a única em Goiana e teve um ano que ele resolveu fazer um Carnaval lá na funerária. Josa ajudou a fazer a arrumação dos caixões e liberando o espaço a meninada da rua fez o baile da matina do domingo. E da funerária saiu uma troça com o nome de Vai-quem-quer, o que fez Demétrio, filho de Seu Orlando, pôr em cima da caminhoneta um bombo, uma caixa e dois gonguês, com os músicos tocando uma paródia à funerária: Vai Com Deus? Vai Quem Quer.

            Seu Orlando tinha um fã, Seu Dedé, que por ser muito caridoso e gostar de enterro, todos os dias perguntava se tinha um.  E a rezadeira Dona Mocinha que botou todo mundo para correr, quando no enterro do menino Djalma fez o morto-vivo se levantar do caixão chorando. Mas, Seu Orlando morreu duas vezes. A primeira na Igreja da Conceição, de um ataque cardíaco quando badalava o sino da igreja, do qual escapou. A segunda em sua casa mesmo, caindo em cima dos seus discos ouvindo a música clássica que tanto adorava.

            Josemir Camilo me trouxe muitas imagens do passado neste poema da vida, que ele diz ser uma “mistura de crônica, minicontos, notas e ficção de uma memória infantil, quase novelesco, por ter um personagem central e um coadjuvante”. E o faz usando o linguajar da época, as expressões verbais populares de então, o que tornou a história mais interessante e gostosa de ser lida, contada e ouvida. Voltei a ser o menino daquela época, vendo passar em minha memória as imagens, os sons, as cores, os cheiros, enfim, o meu mundo de criança muito bem caracterizado na novela de Orlando e Josa.

Ailton Elisiario
Enviado por Ailton Elisiario em 03/04/2023
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