CRUZ E SOUSA

A TRÁGICA VIDA DE CRUZ E SOUSA

Nelson Marzullo Tangerini

Para um dos filhos, vítima da tuberculose – Gavita e Cruz e Sousa perderam três filhos -, o poeta escreveu o soneto “Mudez perversa”, em que retrata o sofrimento extremo de seu querido filho:

“Que mudez infernal teus lábios cerra,

Que ficas vago, para mim olhando,

Na atitude da pedra, concentrando

No entanto, na alma convulsões de guerra!

A mim tal fel essa mudez encerra,

Tais demônios revéis a estão forjando,

Que antes te visse morto, desabando

Sobre teu corpo grossas pás de terra.

Não te quisera nesse atroz e sumo

Mutismo horrível que não gera nada,

Que não diz nada, não tem fundo e rumo.

Mutismo de tal dor desesperada,

Que, quando o vou medir com o estranho prumo

Da alma, fico com a alma alucinada!”

Na casa do Encantado, o casal perdeu três filhos; na casa do Encantado, o poeta viu Gavita enlouquecer; na casa do Encantado, o “emparedado” escreveu seus “Últimos sonetos”; da casa do Encantado, o “Dante negro” partiu para Sítio, acompanhado de Gávita, louca e grávida de seu quarto filho, que daria prosseguimento à família Cruz e Sousa.

Demolir a casa do Encantado - que ainda guardo na memória – figura, para mim, portanto, como falta de sensibilidade, se não mesmo descaso com a cultura. Ali estava toda a sua história e toda a história do Encantado.

A Rua Teixeira Pinto teve seu nome trocado para Rua Cruz e Sousa, para que o poeta ali ficasse para sempre, para que ali seus passos fossem ainda ouvidos por seres mais sensíveis.

A casa, construção antiga, tinha sobre ela uma águia de assas abertas, e carregava, no bico, um lampião que, à noite, iluminava o seu formoso jardim.

Uma construção moderna, feia, ocupa, agora, aquele espaço, mas a antiga casa ainda permanece perene e altiva em minha mente.

Cruz e Sousa dizia para os seletos amigos que o visitavam, que aquela águia representava o Simbolismo.

Quanto ao seu leito derradeiro, no Cemitério de São Francisco Xavier, no Caju, não creio que ainda receba, todos anos, um livro de sonetos do poeta e uma rosa branca. Porque seus restos mortais voltaram para Florianópolis, antiga Nossa Senhora do Desterro, SC, cidade que viu o poeta de lá fugir rumo ao Rio de Janeiro, fugido da fúria racista do Coronel Moreira César, que prometera quebrar os ossos do poeta.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 31/03/2023
Código do texto: T7753187
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