AOS OLHOS DE MAMÃE
Aqueles olhos faiscavam. Tinha um certo ar nobre, que prevalecia da sua relva suave. Eram pontiagudos, meticulosos. As garras se sobressaiam com furor, galgando firme no chão, decididos. Traziam um gosto peculiar. Suas membranas digeriam gotas de ar em lépidos goles. Quando os vi pela primeira vez, chorei. Foi um choro radiante, avesso aos desmandos da razão. Choro enviesado, cabisbaixo, doído. Então me desgarrei dos seus encantos e pude seguir no meu chão. Voltando aos olhos, tinham ferrolhos já surrados, gastos pelo vai-e-vem dos ventos, dos cantos mambembes das querelas mundanas. Tive medo de untar neles, tive medo de sacudir seus véus e penduricalhos. Clamei às pedras por perdão. Rasguei minha traqueia no intento de trazer socorro, quem sabe uma companhia pra este solitário viver. Chegou mamãe trazendo o almoço numa marmita sorridente. Ela já tinha partido há tempos mas, mesmo assim, ainda mantinha o cordão umbilical comigo, através do qual passava seus cuidados que o tempo nunca será capaz de apagar, por mais que teime em fazê-lo. Dava sempre sinais de que guiava meus passos. Vez por outra voltava a me amamentar, doando seu leite poderoso para saciar meus passos trêmulos, em falso, e como era bom, como era. A morte é incapaz de dizimar esses laços altivos e sagrados. Então me dei conta de que aqueles olhos eram dela, de mamãe. Olhos aveludados, floridos, perfumados. Olhos atentos a cada respirar meu, cada percorrida do sangue, cada pensamento que ousasse nascer de mim. E assim fui tocando o barco, certo e feliz por nunca ter estado sozinho nessa vida.