VENTOS DE MAIO


A tarde ia alta nos céus da cidade. A avenida Nossa Senhora de Copacabana era um mar de carros, ônibus e gente. Um vento morno do início de maio soprava incessante. Depois de mais um dia de luta, pés doloridos, mente cansada, Nataniel entrou com certa dificuldade no ônibus e, espremido, ficou quieto numa brecha entre uma senhora gorda e um aluno gigante da escola secundária.

- Moça, a senhora arranjou o dinheiro?

- Perdão, o senhor falou comigo?

- Sim, e nem adianta se fazer de desentendida, a senhora me deve mil, disse Nataniel com ares de tranquilidade no semblante. A moça, irônica, se riu...

- Mas é cada maluco que me aparece! E fez menção negativa balançando a cabeça e estalando a língua entre o céu da boca e a ponta dos dentes.

- O mal é esse, disse ele, a pessoa está na pior, pede dinheiro emprestado e depois esquece.

- Senhor, de onde me conhece? Nunca te vi mais magro. Eu hein!!!

Ele soltou uma pequenina gargalhada e logo todos em volta começaram a prestar atenção à novela que se dera início no interior do coletivo.

- A senhora não é a Márcia? Duvido que a senhora não é a Márcia!

- Sim, não, não te interessa! E se for, de onde o senhor me conhece?

- Da escola, ué! De onde mais? A senhora pegou comigo milzinho, disse que me pagava depois e até hoje necas!!! Nem cheiro daquela nota!!!

A essa altura os espectadores atentos e de riso preso já precisavam saber o desfecho da pendenga. O povo adora uma cena de novela! A senhora gorda se virou para ver melhor. O ônibus já ia encostando na Central do Brasil e a mulher, irritada, se levantou a fim de descer. Nataniel cedeu um espaço para que ela passasse e foi atrás. Já na calçada, ela virou-se para ele abruptamente...

- Olha aqui, se o senhor estiver me seguindo eu vou chamar a polícia, disse a mulher se agarrando à bolsa de linho e vime da Capricho`s pronta para desferir-lhe um golpe mortal.

- Então a senhora realmente não se lembra? Eu sou o Nataniel da Escola Casemiro de Abreu, a gente era criança, tinha treze anos e estudava na mesma turma. A senhora me deu meu primeiro beijo e eu, além do meu coração, te dei meus primeiros mil cruzeiros na hora do recreio. Márcia ouviu aquilo como se um trem passasse trazendo toda sorte de lembranças. Aliviada, as mãos ainda trêmulas no peito, olhos marejados, meio que sorrindo, disse à voz minguante...

- Nataniel! Nataniel! Nem acredito! Você foi meu primeiro namo... E antes que ela terminasse o ônibus começou a andar lentamente e foi se afastando daqueles dois. Ao longe o casal em transe ainda pode ouvir lá no fundo um grito desesperado vindo das entranhas do ônibus...

- Caloteira!!! Paga logo ao rapaz!!!

 

 

MARCANTE, Alexandre.

Coração de Pedra – Casa de Papel, p:117.

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Alexandre Marcante
Enviado por Alexandre Marcante em 25/03/2023
Reeditado em 02/11/2023
Código do texto: T7748796
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