DEUS ME LIVRE!

Com a desaceleração do tempo e a pressão do isolamento, em tempos contrários às férias, fui aprendendo a contemplar um mundo fora de mim. Foi um aprendizado e tanto! Até então, nunca havia me dado conta do quanto eu acelerava a vida, sufocava o peito e criava um olhar cada vez mais introspectivo para as responsabilidades. Dentro de mim borbulhas de afazeres dançavam em ritmos adversos ao meu limite de contemplação da vida; nem notava o quanto a despercebia.

 

Dias de luta

Incertezas, destrezas

Na via, labuta

 

Aprendi a perceber que toda correria que enfrentava me jogava em um estágio desenfreado de provações, o qual me fazia sentir bem por dar conta de tudo, todos os dias; quando na verdade, era uma sensação de superpoderes que nunca existiram, nem deveriam existir.

 

E por falar em pandemia, mesmo enfrentando medos, incertezas e tantos problemas advindos dela, foi o tempo que me despertou para uma vida além de mim.

 

Amo a vida, e achava que do jeito que eu a conduzia, amava. Utopias a parte! Descobri que viviam no meu interior, meus excessos. Precisei, portanto, sentir medo da morte para reconhecer uma necessidade gigante de mudança. Na verdade, nunca houvera aprendido a estabelecer prioridades, e na pandemia isso foi preciso.

 

Entre dar conta do trabalho e sobreviver a Covid-19, renasci. Renasci do medo de enfrentar a vida praticamente sozinha; do medo de amanhã não mais existir; de nunca mais poder ver meus pais; renasci do erro de não me importar, de um eu severamente construído pelos meus mais absurdos medos; renascer foi preciso.

 

Hoje, ao tentar organizar sentimentos que transbordam desse tempo em que foi preciso ficar em casa e sobreviver ao caos, descubro que: 

 

há dias ausentes

precisos, indecisos

mesmo no presente

 

A pandemia me fez enxergar que mesmo estando solta no mundo, estaria presa a situações atrofiadoras; que além das invenções do mundo, há uma máquina maior que precisa de oxigênio, sem a qual não somos capazes, nunca, de sobreviver nem nossos próprios pesadelos: o amor. O amor sem reparos é capaz de nos fazer acreditar, inclusive, que amamos. Sem ele, jamais teria suportado a distância de tudo e todos que, durante a pandemia, trouxeram de volta para mim, a minha vida.

 

Deus me livre do amor

De que nunca me despertou

Ao amor, o amar.