A ética, a mentira e o poder
         

          A práxis da ética existe de várias maneiras, como também em diferentes conceitos. Conduzir seu comportamento ético se realiza de diversas formas, inclusive despercebida em algumas grosserias, como a de ser convidado à casa de um amigo para jantar e não pronunciar alguma palavra, durante a refeição e da chegada à saída. Como se explica? Não ser ético, alguém está sempre sendo, até bem perto de você; seja na vizinhança, na equipe de trabalho ou mesmo nas mesas de bar ou também no retorno das situações.
          Ao se falar de ética, em qualquer situação, precisamos despertar a consciência e, pelo menos, focar nossos costumes (éthos) e especialmente nossos valores. Também assumir a difícil tarefa de destapar os nossos olhos, desvendando as diferentes opiniões, especialmente alargando a visão para enxergar a injustificável ruptura da ética com a política. Ora, como separar as ações cidadãs daquelas que se relativizam com o mundo da pólis ou com a conduta política? Isso não se possibilitaria, nem mesmo dentro da visão política do pensador florentino, Maquiavel, que aconselhava praticar qualquer meio, desde que ele seja útil a se obter o fim. Aceitar-se-ia a máxima: “Os fins justificam os meios”. Ou seja, faça tudo ou qualquer coisa para conseguir o que você deseja. Até trair amizades; ou talvez a sã convivência no frisson do trabalho. E, como você sabe, noutras oportunidades, onde imperam a ganância e a inveja.
          Imaginemos se não houver ética aos que pretendem, por exemplo, através de qualquer meio, chegar ao poder. A miséria trágica dos dias de hoje vem de séculos atrás, que reinou na imoralidade humana, indiferente à moral, no esquecimento dos valores e dos consequentes fatos históricos.
          Em latim, fake news é mendacium; mentira; ação da insinceridade, do disfarce, que me ratifique o exímio latinista Milton Marques. Atualmente, um dos instrumentos mais, que não  se separa dos nossos dedos, é o propagadíssimo celular. Contradiz a eticidade quem divulga, e sobretudo o mau caráter que inventa a mentira. Tal mendax (mentiroso), já na antiga Roma, traduzindo, considerava-se enganador, fingido, segundo Cícero, em De Oratoria 2,51, um falso e carente de sinceridade.
          Já que estamos no período da liturgia quaresmal, convém relembrar Padre Antônio Vieira, no Sermão da Quinta Dominga de Quaresma, pregado aqui, no Maranhão, em 1654: “A verdade é filha legítima da justiça, porque a justiça dá a cada um o que é seu. E isto é o que faz e o que diz a verdade (sinceridade), ao contrário da mentira (insinceridade). A mentira, ou vos tira o que tendes, ou vos dá o que não tendes; ou vos rouba, ou vos condena”. Em raríssimas ocasiões, ela é licenciada para atuar como um veneno-remédio por quem tem autoridade ética de usá-la (Platão, República, III). Porém, a mentira política, meramente propagada para ganhos políticos, é nocente à inocente comunidade social. E ao ser pressentida, por si só, torna-se nojenta e deve ser abominável.
          Enfim, o Talmude judaico, tratando daqueles que possuem o talento político da palavra, adverte que a mentira é a mais danosa forma de roubo: “Existem sete classes de ladrões e a primeira é a daqueles que roubam a mente dos seus semelhantes, através de palavras mentirosas (...). Deus não abençoa a pessoa que fala uma coisa com a sua boca e outra com o seu coração”. E para a mentira, na reflexão, a ética é purgativa...