POETAS TERÃO CARREIRA PÚBLICA - PROJETO DE LEI
Finalmente as coisas vão se ajustando no Brasil. Algum deputado em momento louvável apresentará um projeto de lei que obrigue a União, os Estados e os Municípios a criarem em seus quadros a carreira de poetas. Provavelmente, teremos os cargos públicos de poeta-01, poeta-02 e poeta-03, com os vencimentos fixados e custeados pelo erário.
Art. 1º Fica criada no Brasil a carreira para ocupação de cargos públicos de poetas, a qual se regerá por esta lei.
§ 1º São equiparados a poetas todos os cidadãos que produzem literatura, os quais estarão aptos a concorrer em concursos públicos para o preenchimento dos quadros.
§ 2º Em atenção ao interesse público e importância para o Brasil, a progressão salarial deverá equiparar-se ao de Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Os poetas não exercerão nenhuma atividade dentro das carreiras públicas a não ser pensar, refletir, examinar as coisas, descobrir as belezas, desvendar a alma humana e fazer poesias.
O famoso deputado apresentará suas justificativas e é sobre elas que eu faço essa crônica, para uma reflexão coletiva sobre a importância dessa nova carreira para nossa pátria e nosso povo.
Os que produzem literatura serão chamados poetas, porque todo aquele que desafia e descobre para o outro a essência do ser humano traz o bem-estar.
Ao projeto farão oposição todos os que consideram a cultura e, em especial, a literatura, como algo dispensável. Execrarão a lei os que imaginaram defenestrar do arcabouço jurídico do Brasil a Lei Rouanet, ao invés de melhorar sua aplicação.
O deputado se inspirou, na elaboração do projeto, em Carlos Drumond de Andrade e também em Machado de Assis, Lima Barreto, Euclides da Cunha, Manoel Antônio de Almeida, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Lygia Fagundes Telles e muitos outros, todos eles funcionários públicos.
Já imaginou se, ao invés de usar seus momentos de folga para escrever, Drumond tivesse sido contratado como poeta e nada mais? Quanta poesia bonita ficou escondida sem nunca ter sido colocada no papel.
A poesia, a literatura como um todo, serve para nos ensinar a pensar, a amar, a sermos felizes ainda que em meio às vicissitudes da vida; a literatura nos faz ser mais amenos, menos implicantes, mais condescendentes com o próximo; a literatura serve, e muito, para que nos conheçamos melhor e nos torna pessoas perdoadoras, sem rancores e ódios. E tudo isso com humor ou não, com leveza ou não, exprimindo-se para seres espirituais, portanto, retirando de todos nós o apego doentio pela matéria.
A literatura serve para cortejar as lindas mulheres e para fazê-las sonhar com um amor puro e romântico, corrigindo as vilezas dos relacionamentos em que estamos vivendo, retirando dos homens a dureza do macho e os fazendo machos de uma doce dureza, eliminar a exploração sexual, a baixeza do corpo, a monstruosidade das taras. A literatura, amigo, é cura!
Por isso, que o nobre deputado, que ainda não sabemos quem é, tem toda razão em fazer com que o Estado promova a literatura criando as carreiras pública de poetas e seus agregados escritores, porque de poeta todos temos um pouco e, sem literatura, de loucos todos seremos muito.
Poetas de carreira escreverão e serão entendidos, como nos diz Fernando Pessoa:
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.