O CANTO DA CORRUÍRA
Hoje acordei com o canto da corruíra. Acredita? Eu quase não acreditei, quando ouvi o pequeno pássaro... faz muito tempo que não ouvia uma. Antigamente era comum vermos essas aves por aqui, havia bandos e bandos não só de corruíras, como de outros pássaros, como o sabiá, tico-tico, tiziu e outros. O amanhecer era sempre ao som do cantar da passarada, junto com o galo... sim, aqui era um verdadeiro sertão, onde as pessoas tinham seu galinheiro, com as galinhas poedeiras e os galos nos quintais. Não raro, as galinhas botavam ovos nas casas vizinhas, ao invés de em seu próprio ninho. Animais silvestres existiam aos montes... gambás, sapos, cobras... dessas ultimas, sempre tive pavor. Nunca senti nenhum tipo de atração por essa espécie animal, a não ser asco e pavor. Aliás, isso me faz lembrar de uma excursão, quando eu estava no terceiro ano primário... a gente tinha ido visitar o... Instituto Butantã! E o que eles tem lá? Sim, você acertou. Repteis de todos os tipos, e vários exemplares de outros animais peçonhentos. Fora os vidros cheios de formol, com pernas, braços e mãos amputados... bem, o que mais tem em exibição ali é cobra, é claro. E depois de umas cinco horas visitando os serpentários, voltamos para casa. E quando chego em casa, adivinha o que tinha para o almoço? Espaguete... não preciso nem dizer que a associação com as serpentes foi automática e naquele dia preferi ficar sem almoçar, pois cada vez que olhava para o prato de macarrão a imagem das serpentes vinha a minha cabeça, e eu simplesmente não conseguia comer... coisas da infância...
Ainda quando era criança, lembro que um dia, quando a gente foi a mata buscar lenha (minha mãe cozinhava no fogão de lenha, como a maioria das famílias da região) encontramos uma coruja. Era um pássaro estranho, mas ao mesmo tempo, belo. Levamos para casa. Ficamos algum tempo admirando a ave, até que ela despertou e, não achando muito aconchegante o local que se encontrava, abriu as asas e foi embora, procurar um lugar mais tranquilo para dormir.
Nós consumíamos água de poço, uma vez que, repito, aqui era sertão. E, não raro, junto com a água saia algum sapo que, por um motivo ou outro, estava ali. Era um tempo gostoso, mesmo com seus percalços. Uma vez meu pai trouxe uma traíra viva para casa e deixou-a quase uma semana dentro de nosso poço, até que a pegou para o almoço do domingo. Sinceramente, nunca gostei de peixe. Não gosto nem do cheiro nem do gosto dele. E, portanto, não o comi. Aliás, não sou muito chegada a consumir carne de qualquer tipo. Não vou dizer que não coma um bife, de vez em quando, pois isso seria mentira. Mas realmente carne não é minha primeira opção quando se trata de comida...
Falando em comida, lembrei que em nossa casa tínhamos pés de abacaxi (que minha mãe chamava de ananás), ameixa (aquela pequena e amarelinha... tinha três pés da fruta em nosso quintal) e cana. Na mata próxima de casa a gente encontrava gabiroba, maracujá (a roxa, não a branca), amora, morango, tuncum (um tipo de coquinho) e uma infinidade de outras frutas silvestres. Na horta minha mãe plantava abobrinha, feijão, couve, alface, almeirão, milho, taiova... nunca faltava alguma coisa para completar nossa refeição, por mais simples que ela fosse. E era uma delícia...
Nossa, como estou nostálgica, hoje... e tudo por causa do canto de uma pequena corruíra, que resolveu me acordar, despertando lembranças que a muito estavam no fundo de minha alma, esperando o momento de aflorarem, para me mostrar o quanto a vida é dinâmica...