O Ganso
Pois, o Ganso, que nunca soube fazer nada bem, sempre esteve de olho num grupo de humanos que têm privilégios maiores que os demais grupos sociais. Aproveitando que já andava cansado da sua monótona vida dentro da turma dos Lamelirrostros, resolve se insurgir contra o reino animal e, aproveitando o momento democrático do período pós-moderno, sai em busca de novos desafios e oportunidades.
Por ser uma ave palmípede, o Ganso não só freqüentava alguns lagos de sua comunidade como também, nas horas vagas, lia literatura sobre política. Foi numa dessas viagens literárias, que ele se apaixonou pelo poder político dos reis e do Estado, em especial por Luís XIV.
Certo dia, o Ganso, já na condição de revolucionário assumido e tendo entrado para uma casta que sempre esteve de olho, acorda e grita: - "Eu sou o Estado". Ninguém entendeu nada, mas fazer o que, o bicho já tinha se metamorfoseado para o outro lado e, portanto, era de se esperar de tudo.
Embora os cépticos continuassem sem entender nada, o Ganso teve ascensão meteórica na sua vida política. Ao ser diplomado lhe foi dado uma faca e um queijo e disseram-lhe: pronto, você tem o poder, vá em frente e faz. Ele não entendeu aquele simbolismo da faca e, principalmente, o queijo, afinal o faro dele estava mais para lambari do que para queijo, mas achou melhor ignorar o seu instinto de Ganso.
Inebriado pelo poder não deu outra: contratou um assessor e uma secretária e começou a elaborar uma agenda de ações. No dia seguinte, levantou cedo e de agenda na mão partiu para o grande desafio: implementar as ações previamente anotadas em sua agenda. Surpresa! Não havia apoio às suas idéias. Quando havia apoio, não havia dinheiro. Quando havia apoio e dinheiro o efeito da ação saia errado. O tempo ia passando e as ações não aconteciam. Não mudava nada. O Ganso grasnava, batia asas, movimentava o pescoço em vai-e-vens frenéticos, mas sua agenda permanecia estática. Relutante e contrariado com sua realidade política, lembrou da faca e do queijo e, assim, resolveu fazer coisas mesmo que tivesse que "empurrar com a barriga", não deu certo.
O Ganso, inconformado com sua agenda de ações e realizações, marcou uma reunião com seu assessor. A pauta: encontrar os porquês das dificuldades e da complexidade de atingir objetivos. O Ganso grasnou repetidas vezes e foi logo sugerindo:
- Quem sabe perguntamos para o Sr. Hobbes ou para o Sr. Maquiavel o que estamos fazendo de errado? O assessor lançou um olhar de admiração para seu chefe e ia falar, quando o Ganso, sem deixá-lo manifestar-se, colocou mais uma sugestão: - ou tu achas que seria melhor perguntarmos para o Sr. Darwin? O Ganso grasnou e silenciou. O assessor percebeu, então, que era o momento de ajudar o chefe e foi logo dizendo:
- Chefe, esses "caras" que o senhor sugeriu são falecidos. Mas ainda acho que devemos ficar na linha de respostas apoiadas na teoria evolucionista de Darvin e, para tanto, sugiro que falemos com Dawkins, um zoólogo que vive na Inglaterra. O Ganso grasnou aliviado e foi logo concordando com o assessor:
- Tudo bem, vamos falar com esse tal de Dawkins.
Em Londres conseguiram fazer contato com o zoólogo e marcaram a tão desejada entrevista. No dia seguinte lá estavam eles frente-a-frente com o Mr. Dawkins. O escritório do zoólogo era majestoso, livros por todos os lados, fotos de formatura e troféus davam à sala uma aura de fonte do saber. Demonstrando ansiedade o Ganso grasnou e foi logo dizendo à que viera.
- Tudo bem, disse Dawkins, o seu assessor já adiantou parte do problema por telefone, mas se o senhor quiser complementar com mais informações e perguntas, esteja à vontade, sou todo ouvidos. Conversa vai, conversa vem e o Ganso toma a iniciativa e lança a derradeira pergunta:
- Sim doutor, qual é o seu diagnóstico para os problemas que lhe apresentei. Calmamente, apoiado num livro de zoobiologia, o zoólogo começou a falar:
- Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. O Ganso sem entender nada, perguntou:
- Sim, o que o senhor quer dizer com isso?
- Simples, o senhor é um ganso e o um ganso é assim mesmo, ainda não consegue fazer nada bem.
-Até mais Sr. Ganso.
-Até mais.