DONA MUNDINHA

Minha mãe, lembro-me dela em inúmeros flashs da minha longínqua infância, em diversos momentos, por vezes, obscurecidos pelo tempo. Na memória, vejo-a sempre alegre e resiliente em sua estafante labuta doméstica. A maior parte do seu dia passava sob um velho telhado, o último cômodo da casa, que abrigava um antigo fogão a lenha, uma pequena mesa de madeira, dois grandes potes de barro, com água potável, o robusto pilão de aroeira encostado na parede, o moinho de ferro e um velho papagaio que ficava no peitoril, sempre resmungando: “café dona Mundinha”. Acordava muito cedo, acendia o fogo para fazer o delicioso café torrado no tacho com açúcar e moído no desgastado moinho fincado numa improvisada bancada de madeira e uma panela de leite quente, tudo acompanhado dos deliciosos bolinhos chapéu-de-couro, comprados cedinho no mercado e o tradicional pão dágua, quentinho, vindo de uma padaria da cidade. Servido o café, seguia-se a rotina para o preparo do almoço, que deveria estar pronto às 11 horas, invariavelmente. Um cozido de carne, com pirão, ou um corredor do boi, carneiro ou bode guisados, acompanhados sempre de arroz, farofa e feijão de corda da última safra, temperado com gordura de porco e cozido com toucinho. Às vezes, o “arrastado” do carneiro proporcionava um delicioso sarapatel. O porco, criado no chiqueiro do quintal da casa, alimentado com sobras de refeições e milho, e abatido para consumo da família por alguns dias alternados, era assado e a carne guardada em um latão. No jantar, fígado fresquinho cozido e batido, servido com arroz e farofa, ou o tradicional cuscus com leite ou coalhada, o munguzá de milho cozido de um dia para o outro, o escaldado de leite com farinha e a deliciosa carne assada. Aos domingos, a esperada galinha caipira, escolhida no chiqueiro, preparada à cabidela e servida com arroz, farofa e o requintado macarrão. Ao se aproximar a festa de Natal, cuidava de cevar um peru com milho cozido, colocado com as próprias mãos em seu bico e que servia para a farta ceia natalina. No período invernoso, não faltavam a canjica e a pamonha que só ela sabia fazer. Era uma mulher incansável que não só fazia os afazeres de casa, mas ajudava também nos serviços da arcaica tipografia. Mãe amorosa, cuidadora, jamais se queixava de cansaço, mesmo depois de uma noite mal dormida cuidando de algum filho doente. Vaidosa, lembro-me de acompanhá-la a um pequeno salão de beleza para frisar o cabelo. Gostava de saias estampadas, vestido florado, batom vermelho, talco e maquiagem. Pessoa amiga, acolhedora, caridosa, recordo de sua velha máquina de costura, usada para coser roupas para as crianças carentes da fazenda, consertar e até fazer remendos em rede. Enfrentava toda e qualquer situação com sutileza, cuidava dos animais com carinho, trabalhou na roça, puxou água do cacimbão, carregou água na cabeça, ordenhou o leite das vacas, dentre tantas outras tarefas. Sabia lidar com as adversidades da vida, paciente com o meu pai e, sempre dizia: “quando um não quer, dois não brigam”. Casou com apenas quinze anos de idade, não frequentou escolas e foi educada dentro do rigor daquela época. E, assim, defino minha Mãe: Imponente, sábia, bonita, amável e querida. Minha eterna companheira, meu exemplo de resiliência e amor. A estrela mais ofuscante do meu infinito!.

Maria de Fátima Fontenele Lopes
Enviado por Maria de Fátima Fontenele Lopes em 23/03/2023
Reeditado em 23/03/2023
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