O adulto é triste e solitário, já dizia Clarice Lispector. Nascemos sozinho e morremos sozinho. Às vezes pensava que minha história não tinha época, nem espaço e nenhum grande feito. Tinha apenas lembranças aleatórias de uma vida ordinariamente comum de uma rapaz que nasceu na democracia, viveu da infância até adulto em uma ditadura e depois em uma democracia politicamente incorreta.
Não tive crise dos trinta, nem dos quarenta, mas aos cinquenta tudo mudou. Estou me desconstruindo para recomeçar. Não, não é uma crise de idade, apenas tive que admitir ter vivido relacionamentos abusivos, não exatamente amorosos, com quem supostamente deveria ter me protegido. É espantoso como descobertas dolorosas podemo trazer à tona memórias que eu havia escondido no meu subconsciente para me proteger. É um processo doloroso mas ao mesmo tempo libertador. Eu ainda não consegui perdoar, mas não tenho pressa. O perdão tem que vir do coração, não apenas da boca, por isso ele é tão difícil. Admiro as pessoas que tem facilidade para perdoar e apesar de não ser o meu caso, procuro não sofrer com isso.
Na ditadura não tinha medo de nada e fazia o que me dava vontade. O proibido era excitante e quebrar as regras me dava uma sensação de poder e liberdade pelo simples fato de que nada se podia fazer ou falar. Mas devo confessar que mesmo assim fui feliz.
Hoje temos tanta liberdade que lutamos contra ela. A impressão que tenho é que estamos regredindo quando vejo pessoas pedindo a volta dos militares. O politicamente correto, nos seus exageros, deixou o mundo insuportável para se viver e como consequência está podando a liberdade de expressão. O respeito e a tolerância são tópicos basilares em uma sociedade livre, mas não podemos esquecer que a falta de liberdade silencia essa mesma sociedade.
Cheguei a conclusão que minha vida tem história sim. Ela reflete o que sou, o que fui, o que penso, o que vivi,, o que ainda vou viver, a minha loucura e a minha sanidade. Consegui afastar a solidão e hoje vivo com a minha solitude.