AOS APAGOS DA VIDA
A vida apagou em mim tantas coisas. Apagou o cheiro dos meus pais, o brilho dos meus brinquedos e certos medos que untavam meu corpo de menino. Apagou certas mentiras que saltitavam nos desejos, apagou a inocência suave, por vezes traiçoeira, por vezes reveladora, das minhas paixões. Apagou algumas pegadas que nunca mais verei, e tesouros que nunca mais terei. Acabou untando meus poros de uma crosta que já não ruge mais, não reverbera mais. Nesses vazios por tantos apagos refastelei meu jeito se ser, de querer, de lutar. Me fiz homem, hoje homem velho, alardeando labaredas de chãos pisados, honrados, premiados. Assim me fiquei, feliz e ancorado no percurso cumprido.