UM GRITO NA CISTERNA
UM GRITO NA CISTERNA
[Castro Rosas]
Habitávamos no alto de São Roque em São Sebastião do Passé, numa casa modesta, com cinco cômodos, dois quartos, uma sala de jantar, cozinha e banheiro. A área maior era o quintal com um pomar de frutas para todas as estações.
Na frente da casa desfrutávamos de uma pequena praça no formato retangular com cinco bancos de alvenaria, algumas palmeiras e outras três espécies de flor: Jasmim, Sorriso de Maria e Lírio, tudo aos cuidados de minha mãe e D. Ester, esposa do seu Lourenço, compadres dos meus pais.
A falta d’água era quase que diária, quando chegava de dia, não caia à noite, devido a essa constante alternância. Assim, abrir cisterna no fundo do quintal fazia parte para resolver a falta d´água. Íamos sempre pegar água da cisterna na casa de seu Lourenco, divisa do nosso quintal, que nem era demarcado por uma cerca ou muro. Todos os moradores tinham um grau de parentesco, quando não, tornava-se compadre.
Na cozinha, D. Ruth não queria saber de menino correndo picula, tinha medo de que esbarrassem no fogão e virassem as panelas quentes sobre eles. Ela falava com voz de autoridade e, ao mesmo tempo, de carinho e doçura, de lugar de menino brincar é na rua ou no quintal.
– Vão jogar bola ou subam no pé de manga ou de abacate, tragam alguma fruta – ralhava ela. – Fruta era o que bem tinha no nosso quintal que, somado ao do vizinho, tínhamos um pomar.
Com menino não adianta falar só uma vez, o resultado para obediência só sortia efeito quando o chino já se encontrava na mão de D. Ruth.
Por causa do trabalho, meu pai era mais ausente que presente, trabalhava na Petrobrás na função de sondador, serviço árduo, pois os poços eram de difícil acesso. Quando algum poço de petróleo era perfurado, levava dias mata adentro, com poucas horas de sono, em casa passava o dia dormindo, trazia com ele o acúmulo das noites mal dormidas.
No dia do ocorrido meu pai chegou com o nascer do sol, eu e meu irmão ainda estávamos dormindo. Depois que acordávamos é que nossa mãe advertia para fazermos silêncio, pois nosso pai se encontrava dormindo. Quando assim acontecia, eram raras as vezes em que podíamos entrar em casa. Brincar só no quintal ou na frente da casa.
Almoçamos todos juntos, meu pai gostava desse ritual, unir os filhos à mesa, uma recompensa aos seus dias de ausência.
Era por voltas das 15h quando nossa mãe nos chamou para o lanche da tarde, à base salada de frutas, que já fazia parte do cardápio diário.
Roberto disse que ia furar na borda da cisterna e depois iria jogar água, eu tinha que ficar olhando se a água caía dentro da cisterna (brincadeira de menino é descobrir a lógica das coisas que ele não conhece). Quando apoiei o abdômen na base, desequilibrei o corpo, caí numa queda livre de sete metros. Apavorado, Roberto entrou na cozinha aos gritos repetindo: “Vem ver, mamãe, Sílvio caiu na cisterna!”
D. Ruth com alvoroço correu para o quarto onde meu pai se encontrava dormindo e, aos gritos, acordou Benedito, que, meio assustado com a situação, pouco entendia do acontecido.
Seu Lourenço já tinha ouvido os gritos e correu para cisterna. Meu pai não esperou por nem uma providência que fosse me tirar de dentro da cisterna, pulou sem pensar duas vezes.
Passados o acontecido e o susto, uma tampa foi colocada na borda da cisterna.