Inspirações e aspirações

Há coisas que queremos, mas não podemos ter ou fazer, ou pelo menos não deveríamos desejá-las. Tem também segredos que gostaríamos de esconder de nós mesmos a sete chaves para que nunca nos traiam em sonho ou delírio. Inconfessáveis, de causar rubor e repreensão. Se a palavra da moda é cancelamento, então confessar tais vontades ensejaria o cancelamento, ah, causaria certamente.

Nem sempre esses desejos são ilegais, imorais ou engordam, (como escreveu Roberto Carlos), mas por que será que o não-muito-recomendável é atraente? Certa vez li em um livro do Artur da Távola (creio que em “Mevitevendo”) a frase: A gente sempre soube o que seria. Marcou-me. Lá no recôndito do coração entre o átrio direito e o esquerdo a gente sabe que determinada escolha feita tem bastante chance de não conduzir a bom lugar, mas apostamos todo o nosso cacife nesse número por teimosia. Por outro lado, quantas descobertas geniais da humanidade partiram da audácia de inovar e de se lançar no absoluto vazio?

Prudência, qualidade admirável que economiza frustrações, mas penso que não deve ser levada a extremos. Um desviozinho de rota também pode levar a campos belos, outra ótica e experiências pra lá de válidas mesmo que nos renda um machucado. Um machucado superficial podemos curar com água oxigenada e algodão, mas como curar uma vida sem sal e sem açúcar, sem sabores? Dentro da bolha protetora não há perigo como também inexiste novidade ou emoção.

Por fim, sinceramente acho que podemos e devemos buscar tudo que nos motive contanto que não invada o direito de outra pessoa. Uma vida sem jamais contemplar o abismo, mas também evitando ficar em cima do muro esquivando-se das escolhas. Apresento meus respeitos a quem escolhe uma vida linear sem sobressaltos, é sem dúvida salutar, mas a mim não preencheria como não preenchia ao saudoso e querido músico Raul Seixas. Assim como na música dele, escolho ser “uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Se for para morrer tentando ser feliz, só o percurso já terá valido.