Precisamos Conversar... Depois te Conto!

Texto de Fael Velloso

 

Tudo ia bem entre eles dois. Ia sim! Mesmo após anos de casados – 25 para ser mais exato – eles ainda conseguiam manter a chama. Sabe a chama? Ainda se sentiam atraídos um pelo outro. Ainda tinham alegria de estar um na companhia do outro. E sim, queriam sempre mais e mais, sempre um com o outro.

 

Ele, Manoel, já chegava no auge dos seus quarenta e nove. E ela Malú, batizada Maria Lucinda (Tu achou que era Maria Lúcia, né? Não! É Lucinda mesmo! Pais antigos, sabe?), já beirava seus cinquenta e um. Ou seja: Praticamente passaram toda a vida e juventude um com o outro. E para eles, estava ótimo assim! Sem brigas, apenas pequenos desentendimentos por uma coisinha aqui, uma visão política ali, uma louça acumulada cá e lá... Mas se amavam ainda... Ainda.

 

Moravam no subúrbio carioca, bairro de Madureira, berço do samba, e sempre que podiam – e o salário sobrava – iam ao samba. Não tinham filhos, o que deixava tudo mais fácil de gastar. E assim, um com o outro, eles eram felizes. Bem acomodados entre eles. E já estavam até planejando uma mega viagem para come morar essa pacífica união.

 

Até que um dia, Malú – que tinha saído às oito da manhã para ir à feira naquele domingo, ligou para o telefone fixo da casa deles. Manoel estava no banho, e acabou deixando para lá. “Nada de Ruim Acontece num domingo de manhã!” dizia ele. E ela respondia: “Ayrton Senna sofreu um acidente num domingo de manhã!” e ele, muito seguro das palavras, respondia por fim: “Mas só foi morrer de noite!”. O fato é que ele deixou o telefone tocar, e continuou seu banho, enquanto escutava Love Melodys dos anos 70.

 

Foi então que saiu do banho e pode ver seu celular sobre a mesa perder o brilho, como se tivesse acabado de tocar ou receber notificação. Foi ainda molhado até a mesinha, colocou os óculos que estavam ao lado do telefone, fazendo careta até acertá-lo em seu rosto. E leu: Malú enviou uma mensagem: Oi, Manoel. Tá em casa? Olha, precisamos conversar... Quando eu chegar te conto!”.

 

PRONTO! Esse conjunto de palavras foi o suficiente para fazer Manoel suar, mesmo após uma ducha gelada e poderosa como aquela que havia acabado de tomar. Seus pés perderam a sensibilidade. Sua nuca começou a arrepiar. E suas axilas, vulgas sovacos, começaram a parecer que choravam de tão cheias de suor que foram ficando. Manoel estava tenso, e o pior? Não sabia o motivo. “Precisamos conversar...”... - Mas conversar sobre o quê? Sobre quem? O que houve que ela num pode me falar? Porque num escreveu tudo de uma vez? Por que não ligou logo pra contar... – Não, ligar ela deve ter ligado!" – disse ele, enquanto ia até o telefone fixo confirmar sua dúvida.

 

SIM! Ela tinha ligado. Duas vezes na verdade, mas o rádio talvez tivesse abafado a segunda chamada. E enquanto isso: "O que teria acontecido na feira? Será que ouviu alguma história? Será que encontro uma ex minha? Mas... Mas já faz tanto tempo. Será...Será que encontrou a Ingrid? Poxa, mas eu e ela num tivemos nada, só trocamos algumas fotos em 2018, apenas isso! E eu quem pedi pra parar... A Ingrid mora em Quintino, pode ter sido isso..."

 

O fato é que, ainda de toalha e agora molhado de suor, Manoel sentou-se no sofá e começou a tentar fazer um balanço geral de seus atos, histórias, os vacilos em sigilo que tivera nesse tempo, considerando os últimos cinco anos. Pensou nas vezes que viu filme pornô escondido no celular... Mas isso não seria motivo para uma conversa séria. Pensou na vez em que viajou com amigos da faculdade, num daqueles reencontros chatos,-e que só servem para os antes fracassados tentarem tirar onda nos dias de hoje, e se auto afirmarem entre um grupo de pessoas que estão ali pelo mesmo motivo- quando na verdade, eles foram para uma boate e Manoel dormiu.

 

O tempo foi passando, e Manoel foi ficando cada vez mais tenso! Ele já não tinha mais de onde cavucar coisas que pudessem ter chateado Malú. Coisas que, naquela ocasião, seriam motivo para o anúncio de uma conversa excepcional. Ele andou a casa toda. Olhou em seu computador, leu os históricos, leu as buscas, e nada, nada ai parecia ser comprometedor. Em alguns momentos, ele começou a ficar até com raiva da pobre da Malú...

 

Quer saber? Problema é dela! Num quer falar, num fala! Eu tô com a consciência limpa! Amanhã mesmo pego as coisas e vou pra casa do meu primo em Bento Ribeiro! É aqui do lado mesmo! Dane-se! Custava falar tudo na mensagem? Dá logo o esporro, e segue a vida! Num sei que necessidade é essa de estresse domingo logo de manhã, cacete! Tô nem aí. Fiz nada... Vinte cinco anos de união, e num tem a consideração de ligar direito, ou escrever: Alô! Oi filho da puta! É isso! Isso! E Isso! Mas nãããão...

 

O relógio já marcava quase dez, e nada de Malú voltar da feira. Neste tempo, Manoel já fizera e desfizera sua mala. Escreveu uns três bilhetes, e depois rasgou todos – um ele ainda pensou em comer, mas lembrou da gastrite – e sempre segurando o choro.

 

Cara, será que ela descobriu que já me masturbei pensando na prima dela?...NÃO, NÃO, como ela descobriria isso? Foi uma vez só! Eu estava bêbado, e a gente tinha brigado por causa do presidente...”

 

E ele não se acalmava. Bem que tentou. Mas nada de se convencer de que seria melhor esperar do que deixar a sua até então adormecida ansiedade tomar conta da situação. Sentou n o sofá, chorou, chorou, jogou um copo na parede, levantou chorando pra limpar, até que, pego pelo sono e cansaço do desespero, adormeceu.

 

Minutos depois, ouviu o som da chave na porta. Levantou-se meio desnorteado, e com uma mala ainda pronta aos seus pés. Encarou a porta. Triste de que sua história com Malú acabaria assim, num domingo, antes do meio-dia.

 

- Tava em casa não, Manoel? Liguei duas vezes!

 

- Estava no banho! Li sua mensagem! Fala!

 

- Falar o quê? Eita, homi, que malas são essas?

 

- Esquece as malas! Você disse que tínhamos que conversar... Fala!

 

- Ué, homi, é bobeirice. Eu ia falar que a gente tinha que ver direito esse negócio da nossa viagem em julho. Melhor a gente gastar menos, e ir num restaurante aqui em Madureira mesmo! No shopping tem vários. Agora fala das malas! Vai viajar?

 

Manoel sentiu um respiro de paz em seu peito. “Era isso?” – pensou ele, um pouco irritado com tanto mistério em uma mensagem. Saiu da sala calado, com as costas esticadas e se trancou no banheiro, ignorando sua esposa que o chamou quatro vezes assim que ele virou as costas.

 

Malú, por sua vez, botou as compras no chão e ficou encarando as malas. Enxugou o suor, suspirou, sentou-se no sofá e continuou encarando as malas...

 

Será que ele tava indo embora? Porque ele faria as malas e num me falaria nada, oxe! Será que ele ia fugir com outra? Será que ele tá triste porque num quero viajar?... Ah, eu num fiz nada, só tô pensando no nosso dinheiro, praga!...Euheim... Homem estranho da gota... Ixi! Será que ele viu as revistas e fotos que eu guardo na minha gaveta da cômoda, mãe de Deus?... Ahhh, problema dele! Num tem que cavucar diabo de calcinhas minhas. Foi cavucar porque quis, euuuheim... Depois dos trinta ficou bobo!...” – pensava ela, enquanto ficava ainda mais suada que com o sol quente de Madureira.

 

FIM

 

 

 

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 17/03/2023
Código do texto: T7742241
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