Oiavééééla!!!
Era o meu sonho de infância: sair pelas ruas da cidade vendendo velas para as procissões na Semana Santa.
Os meninos saiam pra vender, colocavam o estoque dentro de caixas de sapato e iam gritando: "oiavéééé
la!" E algum gaiato, escondido atrás de algum muro, de um portão ou de um poste gritava, completando e "gozando com a cara do vendedor": "verde e amareeela!"
Aí, à noite, tinha procissão. Avmaria, era bom demais! A cidade ficava cheiiiinha que dava gosto.
Vinha gente de tudo quanto é roça, sítio, fazenda, povoado... Vestiam as roupas de domingo, cada um com sua vela, as mulheres com os longos e mal cuidados cabelos soltos só para a ocasião, maridos do lado, casais de noivos, de namorados, todo mundo arrumadinho, as crianças devidamente escoladas - "num sai de perto da mãe", "prestenção pra num cair", "num vai abrir esse bocão e chorar", "num vai sujar a roupa" - e, de repente, as ruas pareciam um imenso formigueiro.
O povo da cidade também fazia do mesmo jeitin. As roupas, as advertências, os cabelos, os maridos, os noivos, os namorados, as velas.
Ah, as velas...
Alguém lá em casa comprava uma pra mim logo na segunda-feira. Eu esperava a procissão passar na minha rua, me enfiava no meio do povo e lá ia eu no meio da multidão.. Era tanta gente que não tinha como fomar duas filas. As calçadas e as ruas ficavam apinhadas de gente rezando, quase todos com um terço nas mãos, uns descalços ou carregando pedras na cabeça, criancinhas de colo vestidas de anjo, sacrifícios em troca de uma graça pedida e alcançada.
E o barulho das matracas matando a meninada de medo. Até hoje posso ouvir o som das procissões...
E as velas. Ah, as velas... Todas acesas, estrelinhas que desciam do céu na Semana Santa.
E lá ia eu. Serpenteando no meio do povo. Com minha vela acessa nas mãos postas. Minha estrelinha.
Mas toda vez, todo ano, em toda procissão, minha vela era atraída por um cabelo longo, "que batia na cintura". Eu não tinha culpa, a atração era mais forte que minhas mãozinhas. E assim, do nada, a chama da minha vela ia ao encontro das pontas da cabeleira à minha frente. Cheiro característico de cabelo queimado.
E lá ia eu serpenteando no meio do povo.
Com a minha vela. Ah, as velas...