"EU VI DEUS"
Vi Deus ontem no ônibus, Ele entrou descalço, tava vendendo bala. Achei estranho Deus aparecer assim, nem um chinelo ele tinha, tava meio sujo, o cabelo então, nem se fala.
Agora vê, logo Deus, que semana passada vi cantando num show, todo aprumado, que anteontem tava dançando com saia rodada e mês passado tava lá na cadeira da universidade sentado. Tava sentado.
Deus era preto mês passado e tava cursando psicologia, achei afrontoso, típico de Deus, que hoje mesmo me apareceu no espelho quando eu chorava pela manhã.
E o que eu acho mais gozado, veja bem, é que Deus meio sem forma, meio sem contorno cabe em mim, cabe no outro e ainda cabe num áudio de 3 minutos que uma amiga de outro estado me mandou.
Ele cabe numa sinfonia de orquestra numa sanfona bem afinada e nos berros da minha mãe. Eu vejo Deus em tudo e se não vejo, é porque não enxergo, se não ouço é porque não tenho ouvido, se não sinto é porque morri, mas acho até que consigo ver Deus depois de morto, até depois de vivo, até depois que ele desceu do ônibus sem vender nenhuma bala e me deu um sorriso.
Queria entender essa coisa do Espírito de ser muitos, de ser um, dois e ninguém, de transcender o tempo e de ser, ao mesmo tempo, vendedor de bala, meu espelho, e mulher com saia rodada.
E de todos esses devaneios, que escrevi enquanto o ônibus Deus dirigia, pensa só que louco seria, "ah, bixo, que revolução se daria se, por surto ou poesia, a gente, finalmente, entendesse que Deus mora em mim e também mora no outro.
Autora: Luana Galoni, é Psicóloga, pesquisadora, professora e produtora, cultural, UFRRJ.
https://youtu.be/cQaeztyHHQs