Grande Sertão, a gênese desconhecida
Tive grande dificuldade de engatar a leitura do "Grande Sertão, Veredas", a obra mais conhecida de Guimarães Rosa. Recordo que empaquei no começo, aí pela página 40, 50, não sei que edição. Aliás, só arranquei mesmo depois de algum tempo, graças a uma conversa no já longínquo ano da graça de 1977.
Wilma Vilela Guerra, diplomata mineira, foi minha colega de trabalho nos anos 70. Trabalhamos na Embaixada do Brasil em Copenhague. Wilma era poetisa de mão cheia e engatava qualquer conversa sobre literatura. Aprendi muito com ela. Depois que saí de Copenhague, em 1980, soube dela em Montevidéu, de onde enviou alguns cartões postais. No site do Itamaraty, consta o seu nome como "inativa", sem mais informações.
Entre tudo o que conversamos, se incluía a gênese, segundo ela, de Grande Sertão, Veredas. Eu lhe contei sobre a dificuldade que estava tendo com a leitura do livro. Ia bem até um certo ponto, mas não arrancava, não conseguia ultrapassar aquele Rubicão. Pois ela me confessou também ter travado a leitura bem no começo e contou como ultrapassou essa barreira invisível.
Wilma tinha tido o privilégio de trabalhar com João Cabral de Mello Neto em Barcelona, na década de 1960. Cabral, por sua vez, foi colega de Guimarães Rosa. Este lhe contou como tinha sido difícil escrever o "Grande Sertão". A ideia avançava, sabia que era uma boa ideia, mas a escrita não engrenava. Passavam-se dias e noites e nenhuma frase adiante. Num determinado momento, encontra o fio da história e não consegue mais parar, acossado de uma fúria de criatividade que o impedia até de procurar comida. Sua mulher trazia-lhe almoço na beira da piscina, no quarto, na sala, na varanda, porque o motor da inspiração não parava de funcionar. Onde estivesse escrevendo, fosse de pé, de lado, deitado, seguia em frente, assim como um prisioneiro obrigado a limpar um pátio infinito.Foi assim, segundo João Cabral confiou a Wilma, que uma das maiores obras da literatura mundial se fez.
Depois da conversa com Wilma, me tranquilizei, minha hora ia chegar. E chegou. A partir de um certo ponto, não consegui mais parar de ler e recordo que passei todo um fim de semana em casa numa situação paradoxal: não conseguia parar de ler e lamentava terminar a saga de Diadorim.
Depois que li o Grande Sertão, apaixonei-me por outras de suas obras, em especial "A Menina de Lá", conto presente no livro Primeiras Estórias. Li também suas obras sob outras lentes, como "Guimarães Rosa, Outra Mirada", do mineiro Cláudio Pérsio. Admirador confesso de Rosa, descobri seu quase desconhecido livro de poesia, o "Magma". Esse livro ganhou prêmio literário antes de Rosa ser o que é. Trabalho de juventude, mereceu os mais rasgados elogios de Guilherme de Almeida, o Príncipe dos Poetas brasileiros. Não foi pouca coisa.
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