Os segredos dos meus colchões

 


 

   Um troca troca de colchão no último ano e as costas nem desconfiam. Pelo menos por enquanto meu corpo se aconchega em qualquer cama. Na casa antiga, na nova casa, no Piauí, na Europa, em Brasília, de solteira, de casal. Até rede. Até chão. 

    Meus segredos de corpo: suor, sangue, saliva, lágrimas e outros fluidos estão espalhados em diversos colchões, até demais, eu diria, pelo último ano. Já comecei o ano trocando de cama, mas sem ter colchão para ela, peguei emprestado de uma amiga da minha avó até que eu comprasse um novo. Chegou… agosto, talvez? E o devolvi. Não que eu tenha comprado um novo. Peguei um outro da casa que fica ali para hóspedes e coloquei no lugar. Usei por mais um tempo.

   Em protesto pela minha total falta de vontade (e de dinheiro) para comprar um novo, minha avó tirou o colchão e disse que eu só dormiria naquela cama quando tivesse um novo colchão. Dormi na sala. E as costas nada. 

    Passei mais de um mês em Minas Gerais, algumas camas nesse tempo. Dois hostels, um ashram. Passei um tempinho com a minha prima, outra cama. Mais um tempinho pela rota das emoções, quatro hostels, dez ônibus, muitas camas e poltronas para eu chamar de minhas, pelo menos temporariamente. 

   Quando voltei, só depois do Natal, minha avó tinha comprado um colchão novo. Ela queria muito mesmo um novo (risos). Mais uma cama para experimentar. Um colchão um pouco mais duro do que eu preferiria. Ok, aqui as costas reclamaram. Talvez porque não fui eu que o escolhi. Estranho já que era pra mim. Talvez porque aquele colchão ali seria algo mais permanente em nossas vidas… Porém permanência não é uma palavra muito comum em nosso vocabulário ultimamente. 

    Me mudei. Estou com uma cama nova, mais uma cama que não fui eu que escolhi o colchão, já estava lá quando cheguei. E agora em Portugal, outra cama, outro clima, mais um colchão temporário. Acho que a última vez que eu fui a uma loja e comprei cama e colchão para mim, do jeitinho que escolhi foi em… 2016? Tantos colchões contam apenas uma história: a da minha falta de pertencimento. 

    Qualquer colchão em que estive no último ano sabe dizer da minha falta. Atravessa os ossos. Vim deixando um pouquinho dela em cada um deles, esperando que ela acabasse. Ela aumenta. Não existe descanso quando nunca se chega a lugar algum. Não encontrei um que me caiba. Não criei ainda espaço pra mim. Por isso é tão fácil ir e vir. As costas não doem, porque é um corpo inteiro que se dói por outra coisa. Cada colchão em que dormi no último ano e o que dormirei quando voltar pra casa sabem que não são onde eu deveria estar e que não poderão me oferecer o descanso que eu preciso. Fazem o que podem e eu sou grata. Enquanto procuro um lugar, espero pelo colchão que chamarei de meu, onde as costas poderão, inclusive, doer.