SÁBADO DE MERCADO

 

 

 

Nois incomoda, favelado chique, empilhando as nota. . .”

     Um homem entrou no banheiro cantando. Senti cheiro de cigarro e pensei que não poderia ser possível, que talvez fosse um delírio tardio provocado pela fome daquele momento, mas quando fui lavar minhas mãos vi um sujeito magricela trocando de camisa com, de fato, um cigarro em uma das mãos. Apertei o dispensador de sabonete, que se declarou vazio, e a água correu fraco quando abri a torneira. Não tinha papel para secar as mãos, então balancei-as na pia e terminei esfregando na parte de trás de minhas bermudas. Ao sair, olhei para o cantor em questão e assenti um cumprimento com a cabeça.

     “Valeu,” eu disse.

     “Tamo junto!” ele me respondeu após vestir uma viseira azul.

     Agora eu ficaria com aquela música na cabeça pelo restante do dia. Conhecia aquele tom, aquela rima, aquelas palavras, mas naquela circunstância não me lembrava de seu nome e tampouco do artista, o que me deixou ressentido, pois é uma canção que volta à minha cabeça recorrentemente.

     Subindo a rampa de pedestres do estacionamento ouvi uma voz resmungando atrás de mim. “Lugar fechado, puta-que-pariu. Que absurdo,” um senhor de cabelos brancos e ralos, nariz fino e manchas de sol no rosto passou por mim. “Como que pode, né?” ele olhou para trás, para mim, esperando uma reação.

     E eu sequer respondi o que ele esperava. Bom, eu não respondi nada, apenas o observei de cara incomodada.

     “Essas pessoas não respeitam ninguém,” ele começou a andar lentamente, como quem aguardasse a aprovação de qualquer um por perto. “Tudo vagabundo! E se a gente retrucar, falar algo, aí chamam a gente de tudo que é nome, né?” Essa rampa me pareceu uma eternidade. “Antigamente não tinha nada disso.”

     “Mas agora tem,” eu respondi e apressei meu passo, deixando o homem velho para trás. O calor descia suor por minha testa e a fome apertava meu estômago, e eu não queria me estressar com gente baixa.

     Parei na frente da entrada do mercado e me recostei na grade aguardando minha esposa chegar. Cinco minutos depois vi o cantor com sua viseira azul e de regata. Não cantava, talvez por conta do público, talvez porque a rampa de fato era cansativa, ou talvez porque perdeu a vontade de continuar com a música, mas andava de peito aberto, ultrapassando as pessoas como se ele fosse o dono do lugar, como se nada pudesse abalá-lo. Forte, apesar de magricela, me fazendo esquecer por um breve momento que também lutava uma luta impiedosa todos os dias como todos nós, e uma outra luta todas as noites em seu íntimo. De longe vi minha esposa apertando seu passo. Deve estar com fome também, pensei.

     Assim que chegou eu dei-lhe um selinho. “Como foi a aula?” perguntei.

     “Foi legal. Depois eu te conto melhor.”

     “Tá bom.”

     “Cê tá bem?” ela me perguntou tendo colocado suas mãos na cintura.

     “Um pouco cansado, e com muita fome. Nada demais.”

     “Tá. Não vamos demorar muito, então. Também tô cheia de fome.”

     “É, mas o mercado tá cheio hoje. . .”

 

Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 13/03/2023
Reeditado em 13/04/2023
Código do texto: T7739352
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