Domingo não é dia de feira, nem no nome e nem na missão de sábado, mas é dia de descanso, ou pelo menos deveria ser. Sento-me à bancada da cozinha americana que era um sonho, mas só quem tem, sabe, é um pesadelo. Enquanto aguardo a água do macarrão ferver, é prato típico de domingo, levanto-me e pego um suco de uva sem adição de açúcares e sem conservantes (pelo menos é o que está estampado em azul tifanny no recipiente de vidro, logo: o que os olhos não veem, a saúde não absorve).
O primeiro gole do delicioso suco "encorpado" com tons rubis escuros davam uma sensação de refrescância tão deliciosa que nada poderia estragar aquele momento de relaxamento. Digo nada, se não fosse aquela mosca de asas azuis de pontas cristalinas que capotou, sem paraquedas, no meu refresco light.
Primeiro fiquei observando aquele inseto invasor, na tentativa de se safar do feito que o levaria para a morte. As asas pareciam uma hélice de avião em pleno voo. Parecia que a mosca não desistia da missão impossível que era se livrar daquele poço fundo que acidentalmente, caiu.
Confesso que a minha porção Cruela quis mentalmente desejar àquela infeliz bagaceira, a morte. Até porque, a "dama tyffan", como a denominei nos dois últimos dias, tinha me causado bastante desgaste mental e físico. Invadiu a minha cozinha, a distinta, querendo dela tomar posse. Primeiro dei-lhe uma "panada de prato" pra ver se fugia pela janela da lavanderia, mas a guerreira, nem se mexeu. Depois, numa atitude mais violenta, pulverizei álcool líquido, 98% sobre ela, mas o máximo de efeito que consegui, foi fazê-la ficar um pouco tonta e se esconder bem no alto. Inicialmente não queria matá-la, mas na terceita tentativa, exterminá-la já fazia parte dos meus planos, afinal a sua presença era incômoda: quem gosta de moscas na cozinha?
Mas uma outra porção que me consome, essa bem mais sensata, tipo Madre Tereza de Calcutá, tomou-me por completo e, apressadamente, retirei a mosca do copo, embebia-a de ácool (já sabia que só fazia cócegas) e a sequei com guardanapo triplo, uma forma de acobertá-la depois do sufoco, seria um carinho humano.
A mosca ficou de um a dois minutos sobre o papel e, logo depois, fugiu, como se nada tivesse acontecido.
Da história da mosca tirei algumas lições:
A primeira é que não podemos controlar tudo, o tempo todo. Ter asas não é suficiente para fazer voar, como nem sempre ter pensamentos é suficiente para me fazer escrever;
A segunda, não menos importante, é que ver o outro perder por sua fragilidade não é ato heróico, ao contrário, assistir o definhe, sem intervenção, é no mínimo cruel. Parece atitude de fraqueza.
A terceira, não podemos nos entregar ao desejo de crer que as pessoas descrevam sempre as outras, verdadeiramente, como elas o são. Seria mesmo uma mosquinha, nojenta e merecedora de desprezo?
Por fim, todo sentimento de solidariedade captado, ainda que outros nos visitem antes da decisão de benevolência, sempre trará um alívio, nem que seja momentâneo.
E depois de tudo que aconteceu, a água ferveu, cozinhei o macarrão, fiz um "molho alho e óleo" de deixar qualquer chefe em êxtase alimentar, e a mosca de asas azuis brilhantes caiu na travessa de servir à mesa e morreu queimada.
A moral da história, meus "perfilmores", é que o arrependimento sempre volta e que na minha mente insana, brotou uma voz rouca, tipo zum-zum-zum, dizendo: "Oi, morri na glória, soldado em guerra. Eu sou animalesca demais pra ter sentimentos bons. Bom apetite".
Sabe aquilo que escrevi sobre Madre Tereza, esqueçam...
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