O Bom e Perigoso Beijo

É fascinante e inigualável ao ser masculino ver pernas femininas torneadas e desenhadas, longas e douradas do sol, seios fartos e empinados e bronzeados. Ah como é bom! Quando vejo sinto um forte arrepio na planta dos pés que logo se transforma em um indesejável, mas gostoso frio no estômago. É quase o mesmo que um orgasmo. Quase! Mulheres de pernas longas, de minissaiazinha que mais parece um cinto, blusinha acima do umbigo com pircings a amostra e saltos altos. É tudo, é um sonho.

Ritinha ostentava todas estas qualidades, esnobava todos estes atributos. Era invejada e desejada. Era loira e absoluta. Única, inigualável.

Era dez anos mais velha que eu e morávamos na mesma rua, e eu ressentia por ela um amor infinito, um amor que só era dela. Único e exclusivamente dela. Desejava deliciar-me naquelas curvas e emaranhados de desejos, como fazia ao sorver os churros de mumu do Jangão, com açucrinha e frito no óleo. Desejava! Ah como desejava. Mas meu amor era repreendido, ela não sabia. Não tinha conhecimento das noites mal dormidas e dos sonhos eróticos que tinha com ela a mais de sete anos, desde que se mudou para perto de mim.

Ritinha era casada com Toninho, um mecânico gordo e forte que usava bigode, tinha cara e jeito de mal. Jogava de zagueiro central no time do Laranjeiras, time rival ao meu, o Parça. Rosnava. Todos sabem que bons e bravos zagueiros rosnam e babam de raiva. Ele era um destes. Andava engraxado e com unhas pretas que mais pareciam unheiras. Era horrível. Tinha braços fortes e robustos, muito mais fortes que os meus, sem dúvidas. Eu era um tipo raro, daqueles magricelas que comera de tudo, mas que nunca engordara. Não era do meu feitio.

Meu amor perdurava, me matava, me enlouquecia. Mas nunca desabafei, nunca mostrei meus sentimentos a ninguém. Eles eram só meus, e só a mim interessavam.

E numa tarde ensolarada de sábado, de calor infernal, destas que nunca se acha o que fazer, que no bar do Arno, onde tocava na vitrola um Reginaldo Rossi, Toninho jogava sinuca com mais três amigos, três mecânicos gordos e de bigodes e zagueiros centrais que rosnam e babam de raiva. Eu sentara perto do balcão, tomava uma Mirinda de laranja na garrafinha e deliciava-me no churros do Jangão e pensava na Ritinha quando ela apareceu. Correndo, esbaforida. Veio direto em minha direção, tinha no rosto a afeição do desejo, do sentimento incontido, da excitação da paixão. Pegou-me pelo colarinho e na frente de todos, inclusive do Toninho, me beijou. Me beijou e me acariciou loucamente a nuca e o pescoço.

Sabia que o casamento dos dois andava em crise, mas nunca imaginara chegar a tal ponto.

Toninho olhara a cena embasbacado, com um cigarro no canto da boca, o taco de sinuca em uma das mãos, um copo de cerveja na outra e um revólver calibre 38 que ele se orgulhava e sempre levara consigo na cintura.

Pareceu uma eternidade, mas não foi. Seu beijo foi bom, foi eterno, mas tive que correr. Corri por 9 quilômetros sem parar e durante os nove quilômetros o Toninho correu atrás de mim. Eu só corria. Esqueci do amor, do meu sentimento. Pensava que deveria parar, enfrentar o Toninho e lutar pelo amor da Ritinha. Mas não. Só corri. Ouvi tiros, gritos, choros. Pensava que chegara meu fim. Prometi voltar, num ato de valentia buscar Ritinha e fugir. Mas nunca mais voltei. Nunca retornei a minha cidade natal. Toninho e Ritinha no mesmo dia retomaram o casamento, eu servi de alavanca para impulsionar a paixão dos dois, pois homens gostam de mulheres disputadas. Quase morri, mas aquele beijo nunca mais esquecerei. Foi único.