Vivendo e aprendendo

O menino franzino e introvertido, caçula de uma prole de seis irmãos gostava muito de leitura. Ficava hipnotizado diante da estante repleta de volumes da reconhecida Enciclopédia Barsa, de propriedade de um vizinho de algibeira estufada, cujo interesse pela obra impressa se equiparava ao tempo de consumo de um picolé de leite. Começou a se encantar com os desenhos coloridos e dos enredos divertidos dos antigos gibis, depois foi abduzido pela série do herói caubói Tex Willer. Já na adolescência foi apresentado ao chamado “bolsilivro”, um formato diminuto de livro tradicional sem figuras, cujo tema predominante é o agitado faroeste norte-americano. Entre um romance e um drama, um suspense e uma aventura, o apreço pela leitura passou pelas interessantíssimas publicações mensais das Seleções do Reader’s Digest de segunda mão e alcançou as palavras cruzadas da marca Coquetel, em que o desafio maior era mesmo angariar um exemplar sem uso. E assim foi se consolidando o interesse pela arte de manusear as palavras de acordo com os sentimentos. A vida seguiu seu rumo e o hábito adquirido na infância foi companhia inseparável daquele garoto magricela, que se viu obrigado a deixar as letras de lado e a enfrentar a realidade de uma família com parcos recursos.

A chegada da melhor idade, ainda que inexoravelmente esperada, se mostra de difícil digestão. Não se tem mais a agilidade física nem intelectual de outrora, porque a mente às vezes conjura contra o indivíduo quando envia uma mensagem e o corpo não a interpreta adequadamente. Esquecer-se de coisas banais é algo normal, mas do local onde fora estacionado o veículo já é demais. “São evidências claras da presença indelével da maturidade”, costuma dizer o amigo galhofeiro metido a erudito, trinta anos mais jovem. Pelo sim, pelo não, melhor organizar as atividades por ordem de relevância, antevendo algum contratempo mais sério. Mas existe o lado bom da história. A experiência direciona aquele cidadão bem vivido, fornecendo subsídios importantes para decisões futuras. Como tentar escolher, pelo critério da exclusão, seus representantes. O despontar dos primeiros buços juvenis estimula a falsa imagem do político realmente empenhado em oferecer seu tempo útil em prol da sociedade. Décadas depois, a constatação é a de que nossos homens públicos além de ardilosos por excelência, buscam apenas e tão somente a persecução de seus exclusivos interesses, incluindo-se nesse rol as benesses intermináveis aos apaniguados contumazes, aqueles que nunca largam o osso e exibem obediência canina aos donos. A melhor idade ainda costuma livrar seus integrantes de constrangimentos públicos, afastando-os cautelosamente de debates improdutivos sobre assuntos sensíveis, assim como eventuais entreveros de trânsito geralmente protagonizados por insensatos, muitos turbinados com doses extras de efervescências etílicas.

A vida depois dos sessenta fica melhor ainda quando deixados de lado alguns hábitos prejudiciais à saúde. Poder ver o mundo do alto da experiência adquirida é um privilégio, mesmo porque se aprende algo novo a cada dia. Isso remete à história daquele ancião, solitário e paupérrimo ao extremo quando no derradeiro momento, pela falta de uma vela acesa como de costume à época, foi-lhe colocado entre as mãos um graveto com uma brasa na extremidade. A comprovação de que nunca sabemos tudo nessa vida veio na exclamação do moribundo: “Morrendo e aprendendo”.