Indiferença
Vejo um homem sentado num banco de praça lendo jornal. Velho, quase careca, não muito gordo. Os cabelos restantes são quase todos brancos e um par de óculos retangulares se equilibra na ponta do nariz. Está na idade em que os braços parecem ficar curtos, penso.
O dia está bonito, nem muito quente, nem muito frio. O sol da tarde ilumina o banco, reflete nas folhas da árvore cujos galhos compridos se balançam acima do homem. Um pombo faz cocô, a pasta branca cai ao seu lado. Ele continua a leitura, imperturbável. Me pergunto o que pode ser tão instigante. Normalmente não encontro nada que o valha nos jornais. Passo os olhos pelos títulos sangrentos, espio as fotografias traumatizantes, leio com ceticismo o horóscopo do dia e busco sorrir quando chego aos quadrinhos. Então fecho a página e ponho o jornal de lado, ranzinza, insatisfeito com a perda de tempo.
A postura do homem é tão diferente que não resisto: passo por trás do banco e tento ler por cima dos seus ombros. Não distingo nada. Eu me vejo nele, minha vista não é mais a mesma. Espio rápido demais para dar sentido aos títulos e imagens. O pudor vence a curiosidade, me afasto.
De toda forma, pouco importa. O homem segue lendo, o sol iluminando, os pombos lançando cocôs esbranquiçados. Dentre em pouco vai escurecer, como todos os dias. O homem, mais cedo ou mais tarde, vai deixar sua leitura, voltar para casa, comer, escovar os dentes, deitar na cama e fechar os olhos, como todos nós. Os acontecimentos prosseguirão seu círculo vicioso: guerras, assassinatos, desastres ecológicos, escândalos de corrupção, celebridades casando e desquitando. Em meio a tudo isso, eu, cada dia com menos paciência para o mundo, continuarei invejando homens como este, capazes de se interessar pelos escritos dos jornais.