O GUARDA PELÉ
Lá pelos idos dos anos 60 para 70.
Naquele tempo o mercado modelo ainda não era no local em que está atualmente. Funcionava onde agora está aquela obra de arquitetura que quase ninguém na Bahia sabe o nome, mas que caiu na boca do povo como "os culhões do prefeito".
Tempo em que onde hoje os turistas e curiosos assistem rodas de capoeira e samba de roda era o terminal da Praça Cairú para os ônibus que chegavam dos bairros da cidade baixa. O elevador Lacerda servia de transbordo para quem se dirigia a parte alta da cidade, desembocando na Praça Tomé de Sousa e daí permitindo acesso ao comércio da cidade alta.
Quem cumpria esse trajeto a partir do meio dia já sabia que no cruzamento da Rua Chile estaria sobre um tablado de madeira o guarda Pelé.
Impecavelmente uniformizado, em que pese o sol a pino do meio dia, assumia seu posto com elegância e saudado pelas pessoas que paravam e esqueciam por instantes seus afazeres para assistirem maravilhados seus movimentos sincronizados e cadenciados com uma desenvoltura de passos coreografados que mais pareciam um bailado milimetricamente executado causando êxtase aos espectadores.
Executava os movimentos organizando o trânsito de veículos, sobretudo ônibus vinham dos bairros da orla e da cidade alta que seguiam para o antigo terminal do Terreiro de Jesus e possibilitando a travessia de pedestres, notadamente de pessoas com limitações e que não podiam atravessar a rua Chile com desenvoltura.
Lembro-me que certa vez o Guarda Pelé apitou e gesticulou para a interrupção do trânsito a fim de os pedestres atravessassem. Todos passaram mas um senhor com uma bengala andava de forma lenta, o que chamou a atenção do Guarda Pelé.
Ao perceber a lentidão do idoso Pelé sinalizou que o trânsito continuaria fechado. Em seguida desceu do tablado e foi ao encontro do senhor ajudando-o na travessia com toda a paciência do mundo. Chegando ao outro lado da rua o senhor agradeceu e disse ao soldado Pelé que era um pracinha e fora ferido na guerra, por isso não conseguia andar apressado. Pelé imediatamente se colocou em posição de sentido e prestou continência aquele herói de maneira marcial. Todos que assistiam aplaudiram.
Em seguida retornou ao tablado e liberou o trânsito naquela tarde quente em que claramente se via o suor escorrer pelo seu rosto empapando a camisa da farda o que no entanto, não lhe arrefecia o ânimo nem a altivez de quem conduzia todas as tardes de forma indelével o trânsito de veículos e pedestres naquele local sob a vista das pessoas que passavam e paravam para vê-lo executar com maestria aqueles movimentos que tanto encantava a todos.