A ÁRVORE E O POETA

 

     A rua termina no rio, caudaloso, lento, águas turvas, piscoso, lindamente sereno. A rua termina justamente onde o rio faz uma curva. Ali, debaixo da árvore, há um poço, um poço de águas profundas, um poço em que, se o observador jogar o milho e fizer uma ceva, haverá muitos peixes. A árvore é enorme e boa parte de suas raízes afloraram pela erosão das enchentes do rio. As raízes da árvore são acolhedoras, boas para sentar e se recostar no tronco daquele monumento vegetal.

     O céu é azul, um azul muito claro, quase branco, talvez, transparente. Não pode ser tão transparente assim, porque, se fosse, nossos olhos captariam a escuridão do universo, além do nosso Sol. Mas é azul o céu coalhado por nuvens brancas, talvez fios de chantilly, ou pingos de suspiro ou, quem sabe, espirros de tinta branca, um pouco acinzentada.

     O rio e a árvore têm um tempo. Quem comanda o tempo é o pôr do sol que se agacha por trás da serra que está plantada do outro lado do rio. O tempo, porém, não é só pintura do céu azul que se torna manchado pelas cores amarela, ou terracota. Ali, naquela árvore, o tempo também é medido pelo voo das garças brancas. Todo dia, no mesmo horário, elas chegam em formação de "V", e vão passando com o bater lento de suas asas. As garças marcam o tempo de ir embora, vai escurecer.

     Um homem atormentado pela vida e ansioso por suas crises de existência sempre vai ali, às quartas-feiras. Ele senta e olha tudo aquilo, conclui que deve mesmo haver um Deus, mas que não se revela. Então ele pensa, pensa no que pensaram os filósofos, desde os pré-socráticos até os pós-modernos. O homem sabe que há algo a ser descoberto, então, ele pensa. Pensa olhando o rebojo do rio, e lá adiante, bem no meio, um peixe enorme pula, torna-se pássaro por um segundo, e retorna ao seio das águas. Quem seria o peixe?

     Às quintas-feiras a árvore vê um pescador. Sempre ele, o pescador com sua tralha, a caixinha de pesca com anzóis, linhas, chumbadas, alicates, tudo o que for necessário. O pescador traz uma vara de pescar, com carretilha, ele põe a isca, lança o anzol bem longe e espera o peixe. Mas o peixe não vem, talvez ele não possa sair agora do rio. O peixe tem um encontro marcado com o filósofo das quartas-feiras. Escurece, o pescador se cansa, recolhe o anzol e vai embora, mas vai descansado, a emoção de quase pegar o peixe traz a ele a paz que precisa para viver a vida.

     Às sextas-feiras vem ali uma menina. Ela é linda. Talvez, ela seja loira, com as bochechas rosadas e os lábios vermelhos e carnudos. Ou, quem sabe, ela tenha o sangue bronze dos povos originários, os cabelos pretos, lisos, lindos como as penas das aves da graúna, como diria José de Alencar, e o nome dela seria Iracema. Mas, quem sabe ainda, se ela é uma negra, com os dentes brancos e alinhados, os olhos marotos bem escuros e os lábios grossos que vem dos encantos da África remota. Seja lá quem for, a menina procura um encontro com o poeta. Ela sonha com o poeta, debaixo da árvore e às margens do rio, onde ele faz uma curva e o céu fica tão azul até que quase transparente. A menina fica ali até que as garças passem. Depois, sem o poeta, ela se levanta e vai embora.

     Em todos os dias da semana, eles não veem, o poeta está no pé da serra, no outro lado do rio, ele assovia para as garças e faz um som que vai no ouvido dos peixes que viram passarinhos, depois, lá do outro lado, o poeta pega um binóculo bem forte e contempla a beleza e a meiguice da menina que espera, espera.

     No fim da rua está lá o rio, a árvore, as garças, o céu bem azul, as nuvens de chantilly, o filósofo e o pescador. Eu vivo ali, estou sempre ali, às quartas, quintas e sextas-feiras.