MEDO DA SAÚDE BOA

Texto de Fael Velloso

 

Rafael até seus dezoito anos de idade, era um rapaz que adorava fazer esportes, correr, caminhar, e, nos finais de semana, escapar da família escondido, para beber com os amigos, e poder zoar como pode, no auge da transição de sua fase adolescente para adulta.

 

Era um rapaz que, filho de médicos, sempre procurava estar com os exames em dia, acompanhando seu sangue, urina, fezes, e até órgãos mais sensíveis como estômago, rins, e fígado. Pelo menos de seis em seis meses, lá estava ele fazendo seu check-up, e feliz com os resultados ótimos que sempre recebia. Talvez um colesterol quase alto aqui, um triglicérides chegando ao limite ali, mas ele sempre corria atrás, e conseguia equiparar os números necessários em seus exames rotineiros.

 

Porém, o tempo passa, e a gente avança na vida de Rafael em uns dezoito anos. Sim, vamos dobrar a existência dele, que até então, aos 18, se resumia à filmes, sexo, e tentativas frustradas de conseguir um emprego em alguma emissora milionária do Brasil. Aos 36 anos, Rafael já tá cansado. Se aos 18, ele gozava de uma saúde boa, sempre ali, acompanhando as coisas. Agora, ele fugia de exames, de hospitais e de consultas. Chegava a marcar algumas coisas, como cardiologista, urologista (onde da última vez descobrira uma hérnia inguinal e nunca mais voltara) – e gastroenterologista. Mas nunca mais ia. Nunca mais fora.

 

Contudo, ele andava preocupado. Se apoiava no histórico familiar que nunca tivera nada agravante. Basicamente, se sustentava na narrativa de que, se ninguém na família teve, num vai ser eu quem vou ter. e mantinha a vida se automedicando, auto entendendo, e auto analisando, como terapeuta de si mesmo.

 

Rafael iniciava verdadeiras consultas psicológicas com ele mesmo dentro de seus pensamentos, com a máxima: “Meu Nome é Rafael, e Rafael tem origem hebraica, que significa: Curado por Deus, ou Deus Curou”, ou seja: Num tem como dar merda!”

 

Você pode até estar torcendo o nariz para as ideias dele, achando excêntrico, mas você sabe que, quando temos medo, tendemos a nos iludir consigo mesmo. Que chamamos a sonolência de preguicinha boa, quando pode ser uma anemia. Ou que chamamos as dores de estômago de GASES PRESOS, quando, na verdade, pode ser uma gastroenterite aguda chegando com tudo e pra arrasar com tua flora intestinal. E tem ainda aquela dor na nuca, aguda, que faz os olhos ficarem turvas, que você também vai associar à sua rotina intensa, que nem é tão intensa assim, mas na verdade, é sua pressão arterial pedindo arrego e piedade sua com ela.

Uma semana depois da última tentativa de ir ao cardiologista, após sentir uma pontada no lado esquerdo, parecida com gases, mas que lhe tirou o ar, Rafael fora atropelado por uma moto. Foi socorrido na hora, levado para um hospital público, e lá descobriu que seu apêndice tava quase explodindo.

 

Ele se salvou. Disse que foi coisa de deus. Mas que só voltaria ao hospital se, agora, um caminhão o triturasse...

 

Ele passa bem, por enquanto. E tem atravessado somente na faixa de pedestres.

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 06/03/2023
Código do texto: T7734051
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