ONDE EU FOR LEVO MEU FUBÁ
Dona Severina é o que se pode chamar de mulher guerreira. Nascida na caatinga de Pernambuco cresceu e viveu entre o limite de amanhecer, sobreviver com parcos recursos durante o dia e esperar anoitecer para dormir, acordar no dia seguinte e começar tudo de novo, sempre de olho no céu na esperança de ver alguma nuvem que derramasse chuva para umedecer a terra esturricada de modo a torná-la fértil o suficiente para que se pudesse plantar e colher o sustento.
Enquanto a chuva não caia ia-se vivendo matando a fome com esperança e a sede com o sonho da chuva caindo, molhando a terra e abastecendo a cacimba e o barreiro.
Severina fez-se moça atiçou os olhos de um rapaz filho de vizinhos moradores de um casebre além da curva da estrada. Foram criados juntos e aquela amizade de infância e adolescência logo que despontou a puberdade de ambos começou a se elevar aquecido pelo fogo do interesse.
Sempre se viam e estavam juntos com a aquiescência das famílias, afinal cresceram como irmãos.
Mas eis que em certa ocasião, após o primeiro episódio de incomodada em que sangrou pela primeira vez sem nada entender, Severina se viu tomada por uma sensação inexplicável quando se encontrava com Bil. O rapaz também não conseguia disfarçar seu desejo quando estava perto da moça que já com 14 anos se apresentava com curvas delineadas, seios salientes onde se destacavam entre sua vestes auréolas entumescidas que deixavam Bil no seu imaginário louco de desejo.
Uma bela tarde, com a desculpa de catar lenha Severina embrenhou-se entre os pés de mandacaru e galhos secos das plantas castigadas pela sêca e em pouco tempo alcançou a beira do Barreiro onde Bil já a aguardava, conforme o previamente combinado.
Naquela tarde amaram-se pela vez primeira como se estivessem alcançado juntos o nirvana. Naqueles instantes nada mais importava.
E assim aconteceram outros furtivos encontros que resultaram em Severina apanhar barriga, o que tiveram que anunciar aos pais e por conseguinte a solução de construírem um puxadinho de pau a pique nos fundos da casa dos pais de Bil onde finalmente começaram a viver juntos.
Certo dia, como a situação não melhorava e sem outra alternativa como aliás fazem a maioria dos sertanejos, Bil resolveu sair pelo mundo a cata de vida melhor que permitisse buscar a mulher e a filha.
Após três anos sem notícias e conformada pela ausência do seu homem a resignada Severina recebeu a visita de um primo que trazia notícias de Bil.
Rapidamente o rapaz disse que Bil estava bem, trabalhando em construção civil e conseguiu juntar um dinheiro para mandar buscar a mulher e a filha.
O rapaz entregou a passagem para que Severina se preparasse que dentro de três dias viria buscá-la com a filha para embarcarem em viagem de ônibus para a capital paulista onde Bil as esperariam.
Severina exaltou de felicidade. Avisou aos familiares que Bil estava bem e que mandou buscá-la.
Apressou-se nos preparativos. Levariam pouca coisa pois não tinham nada de valioso. Deixariam a casa vazia e os poucos utensílios para parentes.
Estava Severina arrumando as coisas quando sua irmã que havia ido se despedir percebeu o que Severina separou para a viagem. Em cima da mesa estavam cerca de 10 pacotes de fubá de milho, um pacote de calangos e arribação defumados e um fardo de macaxeira bem amarrado com imbira.
Ao ver aquilo a irmã perguntou:
- Severina, por que tú tais separando essas coisas, muler?
Severina respondeu:
- Ora, pra levar para São Paulo. Tú acha que eu vou para longe daqui e ficar sem meu cuscuz e sem macaxeira? Me deixe, visse?