O SONHO DO TABARÉU

Antigamente a maioria dos jovens que viviam em cidades do interior labutando na roça almejavam um dia ir para a cidade grande onde imaginavam conseguir uma estrutura de vida melhor que plantar, colher, tirar leite de vacas e coisas assim do cotidiano de quem vive na roça.

Tendo juntado algum dinheiro ao longo do tempo e incentivado pela tia que morava na capital, Zuca deixou finalmente a fazenda do pai e partiu com alguns pertences em uma pequena mala de madeira.

Embarcou no horário (assim era chamado o trem que passava diariamente na mesma hora, daí o apelido dado pelas pessoas da localidade) e seguiu rumo a São Roque do Paraguaçu, estação final onde ocorria o transbordo para o navio da Companhia Baiana de Navegação, cujo valor da passagem era integrado com o do trem, bastando para o embarque o ticket devidamente perfurado pelo fiscal da locomotiva, o que indicava a legalidade da viagem.

Embarcado no João das Botas, Zuca atravessou maravilhado a Baía de Todos os Santos. Nunca vira o mar nem nunca estivera assim tão perto.

Lentamente a embarcação percorreu o trajeto e logo atracou no cais da Baiana, onde a tia e os primos o esperavam.

Devidamente alojado, no dia seguinte saiu em busca de um conhecido do seu pai que em consideração ao velho Juvenal prometera serviço tão logo o seu filho chegasse em Salvador.

Assim feito, eis que Zuca regressou a casa da tia com a notícia de que começaria a trabalhar. O trabalho seria em uma barraca de estivas e varejos nas Sete Portas, mercado afamado pela diversidade dos produtos ofertados e como o próprio nome diz, pelas sete portas de acesso, daí o nome.

Lá trabalharia e por ser distante da casa da tia, ficaria alojado na casa desse amigo do pai que residia próximo do mercado lá para as bandas do Barbalho.

Zuca aparecia na casa da tia só aos domingos, sempre levando mesuras para a tia e queimados para os primos. Passava as tardes de domingo contando as novidades e vangloriando-se de suas qualidades.

Contou que no primeiro pagamento tratou de realizar um dos seus sonhos: Comprou um relógio Seiko, que não cansava de mostrar gesticulando o punho esquerdo.

Mais adiante conseguiu comprar em mãos de um comerciante turco uma calça LEE, cuja bainha ostentava dobrada à moda americana.

Faltava mais: Em pouco tempo comprou um par de sapatos Cavalo de Aço, com um salto que o deixava mais alto do que seu tamanho natural.

Eis que naquele domingo foi visitar a tia com o Seiko no pulso, vestindo a calça LEE e calçando sandália japonesa com um curativo enorme no dedão do pé direito. Ao ver o pé do sobrinho naquela situação a tia exclamou:

- Meu Deus, Zuca, que aconteceu com seu pé?

Zuca respondeu que a convite de uns amigos havia ido em uma festa no bairro de Cosme de Farias e lá pelas tantas ao retornar para a casa onde estava alojado, desceu do ônibus e por ter caído uma chuva a rua de barro estava com poças que poderiam sujar seus sapatos. Resolvera então tirar os calçados e seguir driblando as poças descalço e com os sapatos nas mãos.

A rua pouco iluminada não permitia boa visibilidade e ocorreu que mais adiante Zuca inadivertidamente chutou uma pedra tendo em consequência esfolado a cabeça do dedo. Chegou em casa com o pé sangrando, lavou o ferimento, amarrou um pedaço de pano para estancar e foi dormir.

- Foi isso que aconteceu, tia.

- Coitado! Olhe só esse ferimento, exclamou a tia enquanto cuidava do pé do sobrinho.

- Coitado nada, tia. Já imaginou se eu estivesse com meu sapato novo? Teria rasgado era o sapato. Respondeu sorrindo.

Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 03/03/2023
Código do texto: T7732234
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