O ADVOGADO, SEU ÚLTIMO COMPANHEIRO
Na antessala das audiências, fórum de uma cidade do interior, a serventuária da justiça foi franca com o advogado:
- Doutor, conhecendo o senhor como conheço, nunca imaginei que teria coragem para defender esse criminoso.
A frase caiu como uma lança. Ele admirava aquela moça e não gostaria de desagradá-la. Mas, enfim, a cidade estava contra o cliente. O crime de homicídio ocorrera dentro de um colégio em noite de São João. Era difícil convencer alguém da inocência do acusado.
- Amiga, não vou lhe adiantar os termos da defesa, mas ponha na sua cabeça uma coisa: no dia em que sua família, o padre ou pastor da sua igreja e seus amigos virarem as costas para você, somente uma pessoa estará ao seu lado, seu advogado.
Normalmente se imagina que o advogado defende o indefensável, diz que é inocente aquele que matou friamente. Mas não, nem sempre se declara a inocência, há outros direitos a serem pleiteados, inclusive o de uma pena mínima. Há na lei penal teses importantes: a legítima defesa (com absolvição); a desclassificação para um homicídio culposo (com pena menor); a desqualificação (mostrar que o crime não foi, por exemplo, por um motivo fútil), caindo a pena pela metade.
Naquele caso, porém, o réu era inocente. Só ele e o advogado sabiam disso.
O primeiro encontro foi tenso. O réu foi aconselhado a confessar o crime, seguindo-se procurando uma pena mais branda. Ele se revoltou:
- Como vou confessar um crime que não foi eu quem fez.
A firmeza e a revolta do réu, diante da proposta de confissão feita pelo advogado, estabeleceu neste a certeza de que iria defender um inocente.
Seguiu-se pelo processo, meses, anos, a cidade horrorizada, o réu execrado e o advogado sofrendo severas críticas.
No júri, a alegada negativa de autoria caiu por quatro votos a três. Um só voto. Dois jurados confessadamente estavam ali para condenar, mas não foi possível comprovar isso. Portanto, o resultado moral e correto seria três a dois, absolvendo.
Agora, amargurado, o advogado está redigindo um recurso de apelação ao Tribuna de Justiça. Difícil. A tentativa era anular o julgamento.
Eis que entra no escritório o irmão do réu, parecidíssimo com ele, quase gêmeo univitelino.
- Estou preparando o recurso, disse o advogado. Tenhamos esperança.
- Não, doutor. Eu vim aqui para dizer que fui eu quem atirei no rapaz. Meu irmão nem estava no local do crime.
- Mas por que não disse antes? Seu irmão condenado. Está difícil, lamentou o advogado.
- Doutor, eu acreditava que o senhor iria absolver meu irmão, tinha certeza disso e resolvi não confessar.
Mudou-se o teor do recurso. O advogado procurou o padre para testemunhar a confissão, o prelado estava em viagem. O pastor batista aceitou a incumbência. Fez-se uma escritura pública de declaração onde o pastor afirmava que presenciou a confissão do verdadeiro homicida. O próprio autor do crime confessou perante um Tabelião. Na delegacia de polícia, fez-se um pedido para a reabertura do caso e a investigação sobre a autoria do crime. O Tribunal foi informado destes fatos.
Quando o advogado foi ao local da prisão e contou o ocorrido ao cliente, este chorou como uma criança, por tristeza, revolta e temor.
Não houve esforço da autoridade policial. O Tribunal não deu provimento ao recurso. O advogado carrega até hoje a certeza de ter sido testemunha de um erro judiciário.
O réu fugiu, deixou uma carreira no funcionalismo público, abandonou a família e nunca mais se ouviu falar dele.
Amigo, no dia em que sua família, o padre ou pastor da sua igreja e seus amigos virarem as costas para você, somente uma pessoa estará ao seu lado: o seu advogado.
Sofrimentos de um advogado!