O SACO DE CARVÃO

 

     Ernesto olhou para o saco de carvão. Aquilo era morte, árvores foram derrubadas e queimadas em fornos para que tudo aquilo fosse ensacado e vendido. Os antigos usavam o carvão das queimadas das leiras(*), mas aquele era fabricado, as árvores foram derrubadas para se tornarem carvão.

     O carvão das leiras tinha explicação e finalidade. Surgiram no momento da apropriação da riqueza da terra para gerar alimentos. Era necessário que assim se fizesse para que houvesse vida. Mas esse saco de carvão não sofreu o mesmo processo e nem teve as louváveis finalidades.

      Ernesto olhou para a morte, mas resolveu fazer dela a vida. Planejou uma fogueira para assar batatas, quem sabe, abacaxis, cebolas, convidar os amigos para uma festa, enfim, comemorar a vida, porque a vida se comemora com festas entre os que nos são chegados.

     Derramando o saco de carvão, caíram pequenos pedaços, outros um pouco maiores, outros ainda grandes e, um desses grandes é o personagem da nossa história.

     Dia da festa, acendeu-se a fogueira, uma panela de água fervente, sustentada por um varão estendido sobre a fogueira, cozinhava espigas de milho; ao redor, foram colocadas batatas-doces, espetos com abacaxis e cebolas. Música tocada pelo seu Dias, o sanfoneiro do lugar.

     Os pedaços do carvão tornaram-se bolas de fogo, brasa vermelha, aquecendo o tempo que era frio, cozendo os alimentos e embelezando a noite. Algumas fagulhas subiam aos céus, tudo em volta era claro, a lenha ardia em chamas. Toda aquela fonte de energia em um buraco no chão.

     O grande pedaço do carvão se destacava. Como era lindo! A energia estava em movimento e isso se notava com uma espécie de piscar (sabe aquelas estrelas que piscam no céu?). As crianças extasiadas se aproximavam, mais do que o permitido, daquela montanha de benção que fora morte e agora era vida, com a devida repreensão dos pais e dos adultos.

     Viu-se uma vara e, na ponta da vara, uma mão que dirigia as ações. A vara foi-se para dentro da fogueira e retirou o pedaço de carvão em brasa, aquele que reluzia e que aquecia, o que mais encantava por sua cor e energia.

     O carvão ainda esteve maravilhosamente belo e aceso por alguns minutos, mas foi-se esvaindo: o brilho, o calor, a beleza e a função do cozer foram-se embora.

     No dia seguinte, já não havia mais brasas e nem calor. Tudo agora era fuligem, poeira. O vento batia e as cinzas subiam e desciam em outros lugares, como adubo para novas plantas, como fonte de alimentos ainda que estivessem mortas, fornecendo os nutrientes necessários para toda a vegetação.

     Entretanto, o grande e maravilhoso carvão, agora gelado e duro, estava literalmente petrificado e para nada mais servia. Não havia nele nenhuma benção ou alegria!       

 

(*) Quando se desmatava uma área para o plantio, o processo seguinte era a destoca, arrancar os tocos que sobravam para não atrapalhar o arado. Todo o resto de madeira era empilhado em longas leiras, formando uma espécie de muro baixo de terra e madeira. Quando tudo aquilo ali secava, os agricultores costumavam tocar fogo.  Então, se plantava nas leiras milho, abóboras e melancias.