Perdoa-me, Senhor.
Autor: Tony Roberson de Mello Rodrigues
Para a amiga e irmã Salma Ferraz.
Chegou cedo, antes de começar a missa, foi até a moça que ficava no canto esquerdo da entrada da igreja e, a meio tom, disse à moça que cuidava de anotar os nomes para a lista de pedidos de graças, intercessões e orações:
- Boa noite, eu gostaria de pedir para colocar alguns nomes na lista de orações da missa de hoje...
- Seu nome?
- Precisa mesmo? Gostaria apenas de ajudar uns amigos que estão passando por momentos ruins e em Meu nome também...
- Certo, qual o primeiro nome?
- Deus.
- Como?
- Deus.
- Sim, aqui é uma casa de Deus, mas eu perguntei o nome da pessoa para quem será feita a prece.
- Para Deus.
- Mas Senhor, como vou dizer para o padre que alguém encomendou uma missa para Deus???
- E as missas da igreja não são em oferecimento a Ele? Pois então quero encomendar uma. Ele precisa.
- E qual seria o motivo?
- Quero pedir que Deus conceda a Si mesmo um descanso, serenidade, que Ele possa renovar as esperanças em Si mesmo e na humanidade, que Ele possa tirar umas férias de uns três ou quatro dias pelo menos, meu Pai está se acabando no trabalho por amor à família e não está tendo tempo como deveria para Ele mesmo.
- Certo... E o segundo nome?
- Peço uma missa para o diabo.
- Quem???
- Satanás. Na verdade, quero que a missa seja para Lúcifer, a parte boa dele, que se rebelou e cedeu espaço para a parte ruim.
- Senhor, como o Padre vai anunciar no microfone que a mesma missa para Deus é também para o Capeta??? Isso é heresia?
- Não é não, todos os filhos de Deus são irmãos, e é para a parte boa desse meu irmão que quero pedir luz, encaminhamento para um plano melhor, remissão dos pecados, salvação. Ele está sofrendo muito no lugar em que se encontra atualmente, ele mesmo me disse, por meio da intercessão de um anjo. Diz que não aguenta mais não poder respirar direito, que a vida dele virou um inferno, sem contar que entrou em depressão e meteu na cabeça que é um pobre diabo, não merecedor de perdão. Mas eu penso diferente. Quero luz para Lúcifer, por favor.
- Jesus...
- Eu mesmo.
- O senhor o quê?
- A terceira pessoa da lista de orações sou Eu: Jesus. Quero uma missa para receber a graça de mais sabedoria e reaprender a lidar com o ser humano, quero voltar à Terra, não para liderar, mas para ser mais um dos vários grupos que realmente estão dispostos a salvar o planeta e os planos interexistenciais.
- O Senhor só pode estar brincando...
- Não estou.
- Certo, mais alguma coisa?
- Não, tome aqui estes talentos para pagar as missas encomendadas. Sentar-me-ei na última fileira. Obrigado, boa noite.
- Senhor?
- Pois não?
- Poderias me abençoar esta noite?
- Claro, que Deus te abençoe e à tua família e amigos.
- Obrigado, Senhor.
- De nada, irmã.
E a irmã foi entregar a encomenda ao padre pensando: vai quê, né? Ao chegar ao Padre para entregar o pedido inusitado, este, que estava na Diocese há bem mais tempo que esta narrativa inconsequente levou para ser escrita, olhou para o teto da igreja, balançou a cabeça e suspirou:
- Vou te contar, Meu Deus, tem horas que só com muita fé mesmo... Inspira-me para a oração de hoje, Pai.
Foi então que o Padre sentiu Deus falar em seu coração:
- Como pode alguém achar que, para fazer pela minha família, Eu fico sem tempo para mim mesmo? Como pode alguém achar que vivemos do passado? É para frente que se anda, os rios correm para frente: por acaso se alguém pecou no passado não terá mais chance de evoluir? É o mesmo que esperar que quem faz o bem não seja capaz de fazer o mal também. E por acaso, por fim mas ainda importante: Jesus é atitude. Se a irmã esteve próxima a ele, mais vale acreditar nas bênçãos da atitute, do exercício diário, na troca solidária. A vida não é tão difícil, nós é que demoramos muito tempo tentando enxergar o que só o coração consegue enxergar. Não é à toa que um dos maiores mals atuais da sociedade é a ansiedade, a falta de fé, a falta das boas atitudes. As pessoas estão se esquecendo de quem lhes dá o verdadeiro sopro da vida, e levam uma vida inteira tentando respirar com um saco na cabeça.