Gosto de infância

 

 

       Sabe quando você come algo que você adora e aquela receita te transporta para um outro tempo? Como se a comida te levasse para dentro do livro da sua vida e você pudesse por alguns segundos reviver alguma página da sua história? Pois. Hoje comprei um bilhete para dentro de um livro, mas o de outra pessoa.

     Lavínia hoje quis fazer um bolo Xodó da Bahia. Eu nunca tinha ouvido falar. Acompanhei com o olhar ela passando para lá e para cá, separando os ingredientes e então ela me perguntou se dava para bater a clara em neve sem batedeira e sem um fuê. “Dá, mas tem que ter força no braço”. 

     Escolhemos uma vasilha e “lá vamos nós”. Me senti em uma prova relâmpago do MasterChef, aquela em que o participante tem de fazer chantilly em um minuto na mão. No final da prova, eles sempre têm que colocar a vasilha na cabeça, para provar que ficou firme. Foi o que fiz. E deu muito certo, mas com certeza não em um minuto. 

    Enquanto fazia todo o resto, Lavínia me contou que ela costumava comer aquele bolo na infância, que a mãe fazia para ela. Eu tentei criar cenas daquela menininha comendo Xodó da Bahia em diferentes fases da infância. Embora sejamos primas, não tenho lembrança disso. E também eu tinha aversão a bolo de laranja. Lavs também contou que seu primeiro impulso foi querer pedir para a mãe fazer o bolo, mas que no fim seria uma surpresa boa agradar a mãe quando ela chegasse do trabalho com o bolo que ela fazia para agradá-la anos antes.

       Com tudo pronto, ficamos esperando a Gi chegar do trabalho. Foi assim que fui entendendo a importância que aquilo tudo tinha. Além disso, enquanto o bolo estava no forno, ela confessou que tinha um receio de que o bolo não fosse lá essas coisas de sabor, que fosse só a memória afetiva alterando sua lembrança. Ou que talvez o seu bolo não ficaria tão bom quanto o da mãe. Muitas questões emocionais para um bolinho só.

      Quando a Gi finalmente chegou, Lavínia estava satisfeita de tê-la esperado, embora a gente estivesse meio que morrendo de fome. Enquanto comíamos com um café quentinho no frio de 9º aqui em Lisboa, ela começou a lembrar de quando era criança e foi contando o que me contou. Foi quando Gisele também compartilhou que a mãe dela também fazia para ela e seus irmãos, que comer aquele bolo era um momento de festa para eles. 

       Com o sol se despedindo da janela e quase metade da forma já vazia, perguntei: e então? Como está o sabor? Lavínia concluiu: “tem mesmo gosto de infância". E Gisele concordou: “tem”. Para mim? Sabor de viagem no tempo. De ideia para um (talvez não tão) bom texto com personagens que tenho grande apreço.

 

Essa crônica tem sabor. Se quiser senti-lo, aqui vai a receita:

 

Xodó da Bahia

 

   Ingredientes:

  • 4 gemas
  • 4 claras em neve
  • 2 copos de açúcar
  • 1 copo de suco de laranja
  • 2 copos de farinha de trigo
  • 1 colher (sopa) de fermento
  • 1 vidro de leite de coco
  • 1 lata de leite condensado
  • 1 pacote de coco ralado

Como fazer:

  1. Bata no liquidificador as gemas, o açúcar, o suco de laranja e a farinha de trigo.
  2. Transfira a mistura para um recipiente e misture delicadamente o fermento e as claras em neve.
  3. Despeje a mistura numa forma untada e enfarinhada e leve para assar em forno médio por aproximadamente 40 minutos.
  4. Depois de assado e ainda quente, fure o bolo com um palito e cubra-o com o leite de coco, leite condensado e coco ralado.