Há flores no caminho. Não só pedras, como parecia. Eu tenho sido tão ingrata ultimamente. Verdade seja dita: a cegueira nos faz ingratos. Há muito tempo não via quem eu era, quem eu tenho comigo, que tenho uma vida no mínimo extraordinária, sendo simplista. Não digo isso porque estou feliz, eu nem mesmo estou feliz hoje. Nem mesmo sei o que é ser feliz. Só estou escrevendo uma verdade, existe motivo melhor para escrever que não este? 

    Conforme passaram-se os anos, apoderou-se de mim um pessimismo inigualável. A vida adulta também bate pra doer, né? Pra machucar e ver quem levanta depois. Eu me deixei abater por isso e por vezes nem me esforcei para levantar. Sorte que tenho amigos, desses que me enxergam tão bem que o fazem mesmo quando eu não tenho nada para mostrar, desses que eu já cativei. Fico me perguntando como. 

     Essa parte da minha vida que eu chamo sobrevivência, vem deles. Verdade que já pensei que eles se mantêm acreditando em mim pela promessa do que serei um dia, mas sei que me amam pelo que já sou. Sei disso porque os amo pelo que são e que não preciso, nem espero, que eles mudem ou evoluam nenhum traço para que eu os ame. Sei que é por isso que eles mudam e evoluem e cada vez mais se parecem com o que realmente são. É isso que fazem por mim.

     É por isso que vi que tenho sido mal agradecida. Eu sofro horrores pela minha realidade, pelos meus problemas tão arraigados que não consigo resolver nem a metade, porque está tudo lá na raiz. Eu nem sei se, se por acaso eu os resolvesse, eu ainda seria essa menina. Mas quem disse que quero ser essa menina? Eu sofro por ser sempre a mesma, mas também sofro porque preciso mudar. 

     Faz tempo que eu sei que esse degrau já não me pertence, mas tenho medo do próximo. E eu tenho toda uma rede de apoio esperando que eu vá para lá, para que eu crie lá, sendo uma mulher independente, forte, responsável pelas próprias criações (vida, inclusive). Eu sei disso, mas a vida adulta bate pra doer e eu fico olhando a dor por tempo demais, mesmo quando já não a sinto.

     A paciência que os meus amigos têm vem do entendimento de que estou amarrada ao meu passado, eles sabem. Os meus machucados ainda me levam pra lá e pra cá como querem. Vez ou outra nem saio da cama, mas é que não vejo porquê, não vejo melhora, não vejo sentido. E eles esperam. Com amor. Queria me amar como eles me amam. Se eu me amasse melhor talvez mergulharia de cabeça na próxima fase com a coragem que eu finjo ter para as outras coisas. Acho que ainda tenho muita piedade de mim, é essa coisa com o passado, como se eu merecesse esperar mais uns anos. Mas é a própria espera que me machuca, agora eu já sei.

       Com toda dor que eu carrego (e quem não?) ainda sou abençoada com as coisas mais bonitas. Eu ando muito pelo mundo, eu faço muito do que acho impossível, é o que mais gosto sobre mim. Eu voo muito, vou longe, mas só porque tenho esse grupo de amigos que fazem a manutenção das minhas asas. Estar em Portugal representa isso mais do que qualquer outra coisa. Embora muitos dos meus dias sejam sobre colocar toda minha energia nas pedras, há flores. Preciso ser atenta. Amar mais atentamente. A mim, aos outros. A esses amigos, que acho que não digo o suficiente o quanto me mantém.