Nenhuma mulher

Por um momento senti falta dela. Foi bem rápido.

Me permito lembrar agora.

Nosso encontro foi comum, como o de todo casal, mas estava fadado a não acontecer. Eu estava triste naquele dia sendo honesto, mas estar com ela me fez bem. Fomos a uma praça próxima à um parque aquático, onde caminhamos a pé, conversamos sobre nossos principais gostos, antigos relacionamentos, além de comentar um pouco sobre a vida. O tempo foi passando rápido para nossa impressão, não reclamamos de todo modo, a noite nos engolia, pouco a pouco. Decidimos lanchar algo, eu pedi uma panqueca de queijo e ela, um salgado de presunto chamado jacaré, dividimos uma vitamina. Enquanto comíamos, falamos sobre trabalho, viagens e lugares, era engraçado, pois parecia que nos conheciamos há tempos. Fiquei observando-a enquanto comia, lhe disse que gostava de ver o pôr do sol, e animada ela puxa o celular para me mostrar uma foto que tirara na estrada, quando retornava de uma viagem de outra cidade, coisa de trabalho. O pôr do sol era comum como o de todos os dias, mas era o registro dela, feito por ela. Agradeci por esse gesto e elogiei sua foto. Eu não queria impressionar ninguém, mas ela se surpreendia a cada vez que comentava sobre algo que gostava ou conhecia, e me disse "Você é incrível". De algum modo aquilo me incomodara. "Você que é incrível", pensei quando ouvi. Os olhos saltados, o riso estranho, a forma descontraída como falava da própria vida, não ligando para o que eu fosse dizer, e como lidava com as dificuldades mesmo sendo tão jovem. Eu olhei seu cabelo, o aparelho dos seus dentes, o pelo das pernas, os esmaltes nas unhas e o cordão que usava. Ela é linda, pensei e confirmei comigo mesmo. No fim de nosso passeio, dentro do carro antes de sairmos, me pergunta se pode me beijar, eu olho nos seus olhos e digo que sim. E assim, nos beijamos pela primeira vez. Minhas mãos ficaram paralizadas no colo, já as suas passearam pelo meu cabelo, escorregaram pela nuca, ombros e pousaram nos meus braços. Por algum estímulo, minhas mãos tocam o seu rosto pequeno e faço carinho no seu cabelo. Ela beija meu rosto. Eu rio, mas com tristeza, me recordando de beijos passados. Tomado pela melancolia me afasto e digo que está tarde, é hora de irmos, dando um último beijo em seus lábios. A caminho de casa, ela me pergunta se pode ouvir alguma música, eu aceito e conecto meu celular no rádio do carro. A música começa, seus olhos de repente se arregalam e ela afirma eufórica, "é a primeira vez que conheço alguém que também escuta essa música", eu rio e respondo, "vamos aproveitar o momento e ouvi-la". Ela cantarola feliz, os dedos tamborilando nas pernas enquanto olho pela janela e vejo o borrão das árvores ao passarmos rápido pelas ruas. Já na sua casa, ela diz ter gostado de mim, eu fico em silêncio sem reagir, olho bem seus olhos pretos e agradeço com sinceridade pela companhia, lhe dando um beijo tímido na bochecha. Ela por fim se despede com um tchau ao fechar o portão e me assiste partir. A caminho da minha própria casa recoloco a música, abro as janelas e sinto o vento frio da noite. Quando o sinal fecha, olho os meus olhos no reflexo do espelho, cansados e um pouco inchados. "Eu não irei mudar sua vida", pensei, "sinto muito." Não me recordo do que aconteceu depois quando finalmente cheguei.

E hoje lembrei.

Não respondi sua mensagem aquele dia. Apesar de sentir sua falta agora.

Assim como a letra da música que ela gosta, não estou pronto para transformar a vida de nenhuma mulher.

- Inspirado em No woman - Whitney