O “JUIZ”, O PASSAGEIRO E A DETENTA
O “JUIZ”, O PASSAGEIRO E A DETENTA
A pior parte do complexo de inferioridade é atribuir a terceiros a culpa pelas próprias incapacidades e fracassos.
Claudio Chaves
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TALVEZ não apenas a colonização em si, mas, sobretudo, a forma específica como ocorreu na parte das Américas que ficaria conhecida como Brasil ajude a explicar uma característica tão particular de nosso País: o complexo de inferioridade, algo tão “natural” a nossa gente que nem mesmo coisas como posição econômica e status social elevados [desde o berço], formação escolar superior, fama, popularidade e poder político, juntos, são capazes de exorcizar tal espírito do mundo inferior das pessoas por ele aprisionadas. Cruz credo!
SE NÃO é um profundo complexo de inferioridade, o que levaria uma pessoa com o status de Sérgio Moro – homem rico, nascido e criado em família de classe média, com formação superior, servidor do grupo [Judiciário Federal] de elite do serviço público, ídolo nacional no meio político, magistrado, figura conhecida internacionalmente e, agora, legislador da mais alta câmara legislativa do País – a publicar que assassinos brasileiros [autores de chacina em Sinop-MT] sejam “(...) caçados, presos, condenados e ABANDONADOS na prisão pelo RESTANTE DE SUAS VIDAS”? [destaques acrescentados].
ENQUANTO o homem da alta classe média, com escolaridade superior, operador do Direito, ex-magistrado, ex-ministro da Justiça e, hoje, legislador, clama por medidas punitivas que não encontram amparo legal nem em Constituições brasileiras pré-republicanas, o vendedor JÚLIO CÉSAR CANDIDO DE SOUZA, referindo-se a uma assassina condenada e em cumprimento de sua pena, sem sensacionalismos nem espetacularizações, “apenas” afirma o que nossa Constituição Federal, as demais leis e todas as políticas de Estado impõem "Ela está no direito dela de reingressar na sociedade, de ter o dinheiro dela", disse César ao ser indagado sobre ter contratado os serviços de motorista de aplicativo de Elise Araújo Giacomini, condenada e presa (hoje em liberdade condicional) pelo assassinato e esquartejamento do marido, o empresário Marcos Matsunaga, em 2012.
O QUE mais ele poderia responder? Ela é uma assassina? Sim! O crime cometido por ela foi hediondo? Pelo menos do ponto de vista do consenso e da comoção social, sim! Ela pode voltar a cometer algo semelhante ou até pior? Óbvio que sim!
ENTRETANTO, diferentemente do Ex-magistrado e Senador, o vendedor deixa claro que sabe separar suas possíveis paixões e/ou impulsos pessoais (ou seus complexos) do seu dever enquanto cidadão, tanto na acepção constitucional quanto moral do termo.
MUITO mais do que o vendedor Júlio César, a apenada Elise e eu – e até do que nós três juntos, o Senador sabe muito bem que nenhuma de nossas leis abriga que condenados, independentemente dos crimes cometidos, sejam “ABANDONADOS NA PRISÃO PELO RESTANTE DE SUAS VIDAS”.
COMO homem do Direito e ao qual não faltou formação acadêmica, ele sabe que o que defende é inconstitucional, é indecoroso, principalmente para o cargo que ora ocupa, e é imoral, tanto pela premissa humanista liberal quanto pela teísta cristã, as quais ele tanto bravateia defender.
O SENADOR sabe, melhor do que qualquer outro brasileiro, que qualquer prisioneiro nacional – até aqueles condenados ou acusados por qualquer crime em qualquer parte do Planeta fora do Brasil – não só não deve ser ABANDONADO PELO RESTANTANTE DE SUA VIDA [aliás, não deve ser abandonado nem por um dia] NA PRISÃO, como têm o direito a toda a assistência necessária da parte do Estado – que, em tese, nada mais é do que uma representação da sociedade –, não só para cumprir com dignidade a pena que for condenado, como para ter um processo justo, ético, devidamente assistido por defesa formalmente constituída e competente, bem como, e principalmente, adequados mecanismos (durante e depois do cumprimento da pena) para sua reinserção dignamente na sociedade.
ESSA é a proposta de sociedade ideal?!
NÃO sei. E não é isso que está em questão.
O SENADOR não é ignorante a nada disso. E como representante desse Estado (humanista, liberal, iluminista, racional – e, por isso, não passional, apartado de preferências pessoais e convicções dogmáticas), sabe que essa não é a postura que se espera, nesse tipo de sociedade, de alguém que, publicamente, se propôs a respeitar, defender e fazer respeitar os pressupostos teórico-filosóficos e regimentais desse Estado.
LAMENTAVELMENTE, no entanto, parece ser um sintoma natural das pessoas que sofrem o complexo de inferioridade: acharem que terceiros são os culpados por todos os “demônios” que lhe atormentam e alimentam essa patologia, e que exterminando, portanto, tais responsáveis, esses espíritos de baixa autoestima serão, finalmente, exorcizados.
EU DIRIA que estão completamente equivocados. Mas cabe aqui uma salutar e preventiva observação: não sou psicólogo, psiquiatra nem exorcista.