Solilóquio

No meu último e-mail eu comentei sobre um drinque e anexei-lhe duas fotos. Você enviou-me uma resposta estranha que me fez pensar que você leu o e-mail superficialmente e nem sequer observou as fotos.

Fiquei com muitas interrogações vagando pela mente. Fiquei com a impressão de que o havia entediado ou cansado com minha trajetória na busca por mim mesmo. Fiquei com a impressão de que nossos colóquios precisavam de espaçamento. Achei-me um fardo nas suas costas mentais.

Tudo começou com uma mensagem sua, no meu Instagram, em que você mencionou gostar dos meus escritos e que se tornara meu fã. Fui saber mais sobre você, no seu perfil, nos seus stories.

Vi seu rosto, vi-o de corpo inteiro, ouvi um pouco da sua voz, vi-o correndo, vi-o namorando, vi-o com a sua avó. Fui tocado por seu trabalho como pesquisador que entendi ser de um quase devotamento. Havia uma luta sua em prol de uma causa pessoal e universal. Fascinante!

Minha mente reuniu tudo o que vira em imagens, em texto e o que ouvira dos seus áudios, especialmente a animação dos seus últimos dez anos. Esse conjunto produziu uma imagem mental de você. Uma imagem com vida própria que faz tudo o que um homem real faz.

Seria impreciso afirmar que me vi seduzido por você ou que me senti fortemente atraído por você ou ainda que me senti encantado com tudo o que você fazia. Os sentimentos são todos verdadeiros e fortes: seduzido, atraído, encantado. Todos esses sentimentos, entretanto, voltavam-se à imagem mental que minha mente produzira. Eu sequer o conheço pessoalmente.

A mente atua à semelhança de um photoshop nessa imagem mental: retoca, remove, adiciona, amplifica, reduz. Tudo fica a gosto da mente, do que a mente procura, do que a mente necessita.

A mente faz essa imagem mental corresponder ao que quer. Ao final, vi-me apaixonado por um homem belo, másculo, atraente, sedutor, inteligente, sensível, engajado, esportista, amante das letras, sensato, equilibrado, maduro, consciente, generoso, dedicado, compreensível, empático...

Eu amava não você, mas minha imagem mental de você. Na prática, o que geralmente ocorre com imagens mentais é que elas começam a craquelar quando confrontadas com o modelo real que elas representam. Na imagem mental não há imperfeições, defeitos, manias, pequenos vícios, reações temperamentais, recusas, objeções. O photoshop mental já eliminara tudo isso.

Mas subsiste um desejo que é meu, não da minha mente engenhosa. A esse desejo o photoshop não pode ser aplicado. Quando essa minha imagem mental de você esfarelar, gostaria tanto que restasse um pouco de bem querer entre nós, e que nossas trocas poéticas em busca de nós mesmos não fossem eliminadas junto com o entulho dos escombros das fantasias.

Estou aqui a escrever um solilóquio, mas queria mesmo era provocar e ser provocado pelo meu companheiro dileto nos colóquios. Alimento a esperança de que isso nunca se perca.

René Henrique Götz Licht
Enviado por René Henrique Götz Licht em 26/02/2023
Código do texto: T7728018
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