Viram minha criatividade por aí?

De todos os defeitos publicáveis do meu lado B sombrio, o que mais me incomoda é a falta de constância e fidelidade da minha Criatividade. Desconfio que em mim criatividade, soluços e espirros são parentes : aparecem em paroxismos ou salvas incontroláveis quando menos se espera. A Inspiração acredita que meu corpo é a casa da mãe Joana : entra e sai ao seu bel prazer. Quando mais preciso dela, ela desaparece, sem deixar um bilhete de despedida, um contato telefônico, um endereço eletrônico...

Agora, por exemplo, o Natal se aproxima e onde está a Criatividade para, juntas, concebermos uma festa mágica? Tomou chá de sumiço! No fundo, ela é uma irresponsável temperamental, pois sabe o quanto me é importante nesta época do ano. Até quatro anos atrás, passávamos o Natal comendo, bebendo e trocando presentes, como a maioria das famílias. Foi então que perdi, de forma súbita, uma sobrinha muito alegre. Em sua homenagem, propus-me a fazer dos Natais celebrações especiais. E até hoje cumpri a promessa : nos nossos Natais não há consumismo exagerado – presentes devem ser criados por quem presenteia - fazemos brincadeiras, surpresas... A festa caiu tanto no gosto popular que os auto-convites para o Grande Dia começam em meados de outubro : a cada ano mais pessoas se juntam a nós. Os jovens preparam a decoração e a sonoplastia, minhas cunhadas cuidam da elaboração e divisão de tarefas do menu, os homens se encarregam da carta de vinhos e eu fico responsável pela parte criativa. Não sei como contar a todos que a quinze dias da festa não me ocorreu nenhuma idéia sensacional e a festa corre risco de se transformar num festival de-ja-vu...

Imagino que a inspiração não lide bem com o preço da fama : nesta época a pressão é muito grande. A lista de pessoas a quem presentear está pronta, mas não sei o que dar a cada uma. A festa do meu trabalho é na próxima sexta-feira e todos contam com alguma contribuição-surpresa inusitada e bem humorada de minha parte : inusitada será a previsibilidade, se as coisas não mudarem rapidamente. Minha empregada, a Fabiana, se casa em duas semanas : cadê a inspiração que brinca de pique-esconde comigo e não me deixa proporcionar ao casal algo surpreendente? Meu colega vai nos deixar depois de amanhã, após 30 anos de dedicação ao trabalho : me voluntariei, há mais de um mês, a escrever, em nome de todos, um texto de despedida : nem me atrevo a pensar que posso decepcioná-los se uma boa idéia não surgir logo, logo....

Não é que eu não faça a minha parte : medito pelo menos vinte minutos todos os dias, tento dormir oito horas por noite, ando com um caderninho para cima e para baixo – idéias surgem em horas estapafúrdias -, até imersão e brainstorm com minha filha criativa eu tentei no final de semana. Até agora, nem sinal de fumaça...

Sabe do que tenho mais medo? De me transformar numa pessoa previsível, metódica, enquadrada... Pode ser que a minha inspiração tenha se rebelado contra a vida escrava : admito que abusei da boa vontade dela no passado...

Reconsidere, Criá, por favor... "Volta, vem viver outra vez ao meu lado"..."Devias vir para ver os meus olhos tristonhos"... "Sem você, meu amor, eu não sou ninguém" ( vou apelar para os bolerões já, já)...

Eu negocio férias, abono-família, incentivos, aumento de salário, o que você quiser...

E pensando bem : onde mais você vai encontrar outro ambiente tão propício para pôr suas propostas em prática?

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 10/12/2007
Reeditado em 11/12/2007
Código do texto: T772733
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