Dia do comediante
Hoje, 26 de fevereiro, os jornais não noticiaram, mas é o dia do comediante. E como toda crônica é sobre o próprio cronista, sinto-me no dever de expor aqui minhas experiências, algumas traumáticas, no campo da comédia. Você nasce dramaticamente e morre sempre de forma comovente, muitas vezes teatral. Felizes os que vivem como palhaços.
Ariano Suassuna esteve em João Pessoa para declamar suas famosas e hilárias palestras e o mestre de cerimônia era o palhaço Dadá, vivido pelo comediante Dadá Venceslau. Em dado momento, Dadá foi draconiano: “Mestre Ariano, a produção do evento manda dizer que o seu tempo já foi ultrapassado há mais de 30 minutos”. Ariano insuflou a plateia contra o desamparado Dadá: “Esse palhaço quer que eu pare minha conversa, o que vocês acham?” O auditório veio abaixo, como diz o chavão. Dadá procurou um buraco pra se esconder, altissimamente embaraçado. Ao final do bate-papo, o palhaço se viu recompensado pelo constrangimento, porque Ariano Suassuna, aquele que encabulava até palhaço, fez questão de ressaltar para o público: “Olhem, eu quero aqui agradecer ao palhaço pela sua graciosa e bela presença, e confesso que a minha grande frustração foi não ter sido um palhaço, que é a arte mais sublime do mundo”.
Eu quis ser palhaço em três ocasiões, aliás, quatro. Nas três primeiras, escrevi três peças teatrais onde guardei um papel humorístico para mim. Como ator, reputo como péssima minha atuação nos três espetáculos. Na vida real, como se diz, eu sempre quis ser comediante de corpo, aquele que faz caretas, que retorce a espinha, se curva, dá cambalhotas, solta pum fumacento, o cara engraçado da turma, o pilhérico, anedótico que não ri de suas próprias piadas até que todos estejam rindo, aquele gaiato que faz dancinhas engraçadas no Tic Tok. Por ser um sujeito canhestro por natureza, mostrar-me em público é sempre uma cena de terror. Travado pela minha grande inibição, fui buscar refúgio na saleta do estúdio de rádio, só eu e o microfone. Aí me solto, desaperto o cinto da introversão e me transformo no grande comediante que eu sempre quis ser. Vejo-me perante grande plateia se acabando de rir dos chistes, dos atos falhos, dos atos atentatórios à moral e outras falas ferinas.
Em verdade vos digo: sou filhote da PRK 30, o famoso programa de humor da Rádio Nacional dos anos 30, com Paulo Gracindo, Brandão Filho e outros deuses do humor radiofônico. Encontrei minha praia e desde sempre faço programas metidos a cômicos em rádios alternativas, rádios comunitárias, rádios online e outras mídias sonoras como os modernos podcasts, porque, verdade seja dita, as rádios comerciais não têm seriedade para bancar humor, não respeitam o artista, mesmo que, comprovadamente, quando rádio e humor se encontram, a resposta da audiência costuma ser muito positiva. Para o rádio comercial, ganhar dinheiro não é brincadeira. Preferem investir em conteúdos mais lucrativos, tipo: picaretas espirituais, comentaristas ultrarreacionários metidos a palhaços de terceira classe e lixos da indústria cultural de massa, vide “sertanojos” e “piseiros”.
Dois grandes humoristas paraibanos, Marcelo Piancó e Cristóvão Tadeu, arrebentavam em um programa de humor no horário nobre das doze horas, enfrentando os programas “mundo cão” e da fofoca política das outras emissoras concorrentes, dando surras de audiência com os dois craques na arte de realçar o grotesco e a frivolidade da mundiça humana. O dono da rádio “esqueceu” de pagar os cachês dos meninos. Foi preciso a dupla contar a última piada no ar, sobre o descaso da emissora, e anunciar que estavam saindo por falta de consideração, voltando a tal rádio a produzir a subcultura da frivolidade vazia e a crueldade da alienação.
No dia do comediante, meus respeitos e saudação póstuma aos grandes artistas paraibanos Cristóvão Tadeu e Marcelo Piancó. E para tantos outros que vão além da média na elevada arte de fazer rir, citando com orgulho meu conterrâneo de Itabaiana, Severino Rangel, Ratinho, maestro, cômico de rádio, saxofonista autor do clássico “Saxofone por que choras?”, ele que fez dupla com Jararaca e foi o maior sucesso do rádio nos anos quarenta/cinquenta. Esse povo elegante, mesmo na maior fuzarca, me inspira e faz-me enxergar a verdadeira versão deste velho e falso taciturno palhaço.