Os gatos também sentem frio

Eram umas duas e pouca da madrugada quando escuto uns miados na janela. Chuva. A insônia martelando me fez mandar o sono embora. Tava assistindo num sei o que no YouTube quando escuto um miado assim, meio meloso. Olho pra janela iluminada só com a luz da minha tela, e vejo uma silhuetinha felina, com linhas se confundindo com escuro, e bolotas do olho cintilando como duas jóias âmbar flutuando no ar. Abri a janela, a chuva fazendo barulho, os miados se misturando a água.

Pensei por alguns segundos que, seja gente ou bicho, aquele sereno não devia fazer bem. Imagine só que mau afortunados os gatinhos que não tem ninguém pra dizer "não esquece o casaco"

Melhor entrar logo pra evitar resfriado.

Abri e ela se esgueirou num jogo de cena, entrando e não entrando, meio cabreira, andando aos tropeços e batendo nos móveis, na minha cama, cadeira, guarda-roupa. Fiz o que pensei ser um som amigável com a boca"tss..tss" e acariciei. A bichinha não se demorou em pular na minha cama e se esfregar em mim com pelo molhado, num ronronar e carinha de "esse aqui já caiu no meu papinho" Caí mesmo. Ela ia e voltava de encontro a minha mão estendida, num exercício de auto carinhamento, de quem diz "ok humano, se recolha ao seu papel de carinho e teto, o resto é comigo"

Ia e voltava, ia voltava. Até que, de brincadeira, deu foi uma mordiscadinha no meu mindinho e o meu mini espasmo foi o suficiente pra fazê-la saltar pra janela e fazer menção de ir, achei que já tinha ido, era isso, a visita ia encontrar outra janela aberta pra se abrigar do frio, quando ouço o salto, minha cama tremer e mais um miado.

Ela voltou.

Daí então a... tenho que pensar num nome... Mabel é bonito, Olga também. Não, não, sem nomes, vai que ela some por aí e não volta, e outra, um nome significa adotar, e é só por essa noite.

Só por essa noite...

Pois bem, Mabel pulou na minha cama sem a menor cerimônia, os últimos trinta minutos já foram mais que suficientes pra mandar embora o status de visita. Devo ter gentilmente expulsado a bichinha da minha cama umas três vezes, antes de ser voto vencido e aceitar que ia ter uma hóspede felina hoje.

Ela tá ali na ponta da cama agora, numa esparramação.

Calhou de deitar bem em cima do meu pé direito, esquentando-o num calor que só as coisas vivas emitem, desses que supera o frio, e só quer fugir da noite.

E ai de mim se se mexer e acordá-la.