Difícil mas valeu
No último sábado, que sem nenhuma intenção, ignorei que fosse sábado de carnaval, ignorei também o momento arriscado, dado ao índice elevado de chuvas, resolvi conhecer um bairro rural vizinho ao que nasci e a outros que frequentei e conheci muito bem nos tempos de juventude. Fui visitar e tratar de negócios com um primo, que há anos reside nesse lugar que até então eu só conhecia por nome. Em conversa online, ele me garantiu que embora a estrada não estivesse boa, era tranquilo chegar em sua casa, mas não pelo caminho que eu conhecia na maior parte, que este sim, estava intransitável. Não conhecia o lugar, conhecia no entanto, a geografia da região e sabia por onde seguir. Ele me explicou os pormenores e tudo pareceu bem fácil, e seria sim muito fácil, não fossem os muitos anos que se passaram e que transformaram radicalmente os lugares, coisa que a nossa memória não é capaz, lembramos das coisas do jeito que conhecemos, passei direto por onde deveria ter seguido à direita e fui parar em um lugar que muito conheci e que não reconheci. Nada ali se assemelha ao lugarejo do meu tempo, ninguém mais habita ao longo da estrada e das muitas casas de antes, nem ruínas restaram, ou foram tomadas pela vegetação, confirmando que a natureza não precisa do homem para se regenerar. Só me dei conta de onde estava, quando cheguei em um lugar impossível de seguir em frente, a estrada se dividia, toda tomada pela lama e pelo rio que ali fazia uma curva. Desci do carro para perguntar em uma casa ali existente, que tinha um carro na garagem e muitos pequenos cães barulhentos, e em que pese a minha insistência nos gritos, misturados com os latidos dos cães e o ruido do rio, ninguém apareceu para me informar alguma coisa. Caminhei em frente em direção da casa, tateando com os pés para não me atolar de vez no lamaçal, momento em que avistei a igrejinha que até então as árvores não tinham me permitido ver, e aí sim, soube onde eu estava e constatei a diferença do que a minha memória guardou daquele lugar e o que tempo fez com ele. Do meio do lamaçal para dentro do carro, foi um pulo inexplicável, impulsionado pelo susto, causado por pelo barulho assustador de alguma criatura de grande porte que se atirou no rio, provavelmente uma grande capivara. Retornando pelo mesmo caminho, aí sim identifiquei precisamente onde ficavam as casas dos meus parentes daquele tempo, vi algumas ruínas encobertas pelo mato e me espantei ao ver no recanto, intacta, a casinha de colono, onde habitou uma família que sempre íamos visitar, uma lembrança misturada de sentimentos diversos, naquele momento meio inadequado. Cheguei ao meu destino. Não demorei para voltar para casa, as nuvens me advertiam o tempo todo.